Na Modernidade, autores como Feuerbach, Karl Marx e Freud desafiaram a fé, chegando a afirmar que a religião é pura ilusão. Essa postura provocou uma forte reação de autores como João Paulo II, Chesterton e C.S. Lewis. Eles se levantaram contra as posições modernas e afirmaram que fé e razão podem sim andar juntas.
Conheça os principais argumentos contra a fé e os principais argumentos a favor da união entre fé e razão.
Quando os discípulos de Jesus começaram a pregação do evangelho, judeus e pagãos, sobretudo gregos e romanos, passaram a acusar a fé cristã, por exemplo, de ser irracional. Cristãos eram também chamados de ateus, já que não acreditavam nas demais divindades da época. Pode-se ver já nesse contexto o germe do conflito entre fé e razão.
Os discípulos dos Apóstolos travaram diversos embates a respeito da sua fé, criando o movimento da filosofia Patrística. A disputa permaneceu no período medieval, levando os cristãos a desenvolverem a Escolástica, um movimento filosófico baseado no pensamento de Aristóteles para explicar a fé de forma racional.
Nesse contexto, vê-se a aproximação das duas realidades, uma vez que a filosofia grega não foi vista como incompatível com a Revelação Cristã.
Agostinho, por exemplo, resgatava muito do conteúdo de Platão. Tomás de Aquino resgatava mais de Aristóteles. O pensamento comum para esses autores era o de que a verdade encontrada pela por meio da luz natural da razão não se opunha às verdades divinamente reveladas.
A convivência da fé, Revelação divina, com a razão, meios naturais para se descobrir a verdade sofreu seus grandes revezes na modernidade, quando se acentuou um certo ateísmo militante. Intelectuais famosos como Karl Marx, Freud e Charles Darwin passaram a utilizar as ciências empíricas e sociais para afirmar que a fé é uma ilusão.
Na obra Sobre Filosofia e Cristianismo, Feuerbach argumenta que a religião é uma forma de patologia psíquica que transforma em objeto os desejos humanos mais elevados. Em Deus, os homens projetam a sua essência e projetam os seus mais altos desejos.
Nas palavras de Feuerbach, Deus é o espelho do homem. Ele vê a fé como uma realidade antropológica, mas não metafísica. Os homens criaram Deus como uma maneira de projetar seus objetivos e desejos mais elevados.
Feuerbach foi um dos primeiros e principais autores a falarem abertamente contra a fé na existência de Deus. Karl Marx foi influenciado por suas ideias antropológicas e as aplicou na sociologia.
Para Marx, a religião é o ópio do povo. Suas teses defendem que a fé é apenas uma realidade criada e sustentada para as elites dominantes enganarem o povo e o dominarem.
No livro Contribuição à crítica da filosofia do direito de Hegel, Marx escreveu:
“A religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração, assim como o espírito de estados de coisas embrutecidos. Ela é o ópio do povo. A supressão [Aufhebung] da religião como felicidade ilusória do povo é a exigência da sua felicidade real.
A exigência de que abandonem as ilusões acerca de uma condição é a exigência de que abandonem uma condição que necessita de ilusões. A crítica da religião é, pois, em germe, a crítica do vale de lágrimas, cuja auréola é a religião”.
Para ele, apenas as realidades materiais existem, o resto é ilusão. Marx não chegou a desenvolver um pensamento metafísico para refutar as religiões, mas, mesmo assim, o seu pensamento contrário à fé ganhou força no mundo.
Após Marx ter difundido o materialismo na sociedade, Freud difundiu o materialismo na psicologia. No livro O Futuro de Uma Ilusão, Freud diz:
“[A religião] É a defesa contra o desamparo infantil que empresta suas feições características à reação do adulto ao desamparo que ele tem de reconhecer — reação que é, exatamente, a formação da religião”.
Freud distanciou a fé da razão ao afirmar que a religião é apenas uma reação psicológica frente ao desamparo e medo de estar sozinho no mundo. Suas ideias ganharam força na cultura popular e até mesmo entre religiosos, distanciando ainda mais a fé da razão.
Outro argumento que ganhou espaço na modernidade entre os ateus é o paradoxo criado pelo filósofo grego Epicuro. O pensamento do grego é usado para tentar comprovar racionalmente a não existência do Deus cristão. O paradoxo é o seguinte:
“Enquanto onisciente e onipotente, [Deus] tem conhecimento de todo o mal e poder para acabar com ele. Mas não o faz. Então [Ele] não é benevolente. Enquanto onipotente e benevolente, então tem poder para extinguir o mal e quer fazê-lo, pois é bom. Mas não o faz, pois não sabe o quanto mal existe e onde o mal está. Então ele não é onisciente. Enquanto onisciente e benevolente, então sabe de todo o mal que existe e quer mudá-lo. Mas não o faz, pois não é capaz. Então ele não é onipotente.”
Para afirmar que fé e razão não possuem compatibilidade, o filósofo Bertrand Russell criou a teoria do bule no espaço. O filósofo afirma que, se alguém defender a tese de que um bule de chá orbita a atmosfera terrestre, não é possível desmenti-lo devido a dificuldade de provar que ele está errado.
Um telescópio não conseguiria vê-lo, de maneira que a afirmação do bule não pode ser desmentida, mesmo sendo estranha.
Ele transporta essa realidade para aqueles que defendem a fé em Deus. Segundo ele, a razão não consegue provar a não existência de Deus por ser algo distante e fora da realidade humana.
Enquanto os outros autores não apresentavam argumentos ontológicos sobre a existência de Deus, Charles Darwin, abertamente ateu, desenvolveu uma teoria para explicar a origem da vida sem a necessidade de Deus e da fé.
A Teoria da Evolução afirma que é o ambiente, por meio de seleção natural, que determina a importância da característica do indivíduo ou de suas variações, e os organismos mais bem adaptados a esse ambiente têm maiores chances de sobrevivência, deixando um número maior de descendentes.
Para Darwin e seus seguidores, a vida surgiu de forma espontânea na natureza e evoluiu até chegar na forma que possui hoje.
Seus seguidores interpretam a nova teoria como uma maneira de mostrar que a fé não se concilia com a razão, já que o ser humano não teria sido criado diretamente por Deus.
Segundo o jornalista científico Christoph Marty, Darwin disse:
“Assim que se descobre que uma espécie evolui da outra, toda a estrutura colapsa”.
O artigo de Marty mostra que Darwin defendia que as espécies surgiram a partir de relações mecânicas da natureza, não da criatividade de Deus.
Outros pensadores famosos no Ocidente também afirmaram que a fé se contrapõe à razão, tais como:
Os cristãos desenvolveram argumentos racionais para comprovarem a fé desde o período da Patrística. Alguns dos principais argumentos são: as cinco vias de Santo Tomás de Aquino, a tese de Santo Agostinho sobre o mal, os milagres e as profecias da religião cristã e as argumentações de C.S. Lewis.
As cinco vias de Santo Tomás de Aquino buscam mostrar a necessidade de Deus para que a realidade exista. Elas podem ser resumidas da seguinte maneira:
Essas vias são longamente explicadas e provadas em detalhe na Suma Teológica e na Suma Contra os Gentios, sendo necessário recorrer a essas obras para ter acesso ao pensamento completo de Tomás de Aquino. Outra obra dedicada à argumentação que prova a possibilidade de a razão alcançar o conhecimento de que Deus existe é “O Ente e a Essência”.
Outro argumento levantado por apologetas cristãos como William Lane Craig é de que a realidade não pode ser ordenada como é se não existir um ser inteligente que a organize. Se a realidade tivesse sido criada de forma aleatória, não existiriam leis da natureza que sempre se repetem e são obedecidas.
Alguns ateus utilizam o paradoxo de Epicuro para contrapor a razão com a fé cristã. Segundo eles, a existência do mal mostra que o Deus cristão não se importa com os necessitados, não existindo racionalidade na fé em um ser todo-poderoso e bondoso.
Santo Agostinho buscou refutar essas argumentações em suas obras, especialmente no livro Confissões.
Segundo ele, o mal não foi criado nem é desejado por Deus. De acordo com ele, Deus criou as criaturas para terem liberdade, deu-lhes o livre arbítrio.
Caso as criaturas que possuem consciência (anjos e homens) não pudessem escolher entre o bem e o mal, elas seriam meros fantoches de Deus, seriam como manequins, não possuiriam liberdade genuína, condição necessária para o amor.
A possibilidade de escolher o bem ou mal com as próprias forças é o que garante o livre-arbítrio. Para que o ser humano tenha plena posse da sua vida, é necessário que Deus permita o mal como consequência da existência da liberdade.
Segundo os filósofos patrísticos, Deus não deseja o mal, sua vontade é que todos alcancem o bem, mas o mal pode existir para que os homens alcancem o bem de forma livre, verdadeira.
Santo Agostinho tratou essa questão de forma mais aprofundada utilizando conceitos metafísicos.
Em seus estudos, ele afirmou que o mal não possui ser. Para ele, o mal é apenas a ausência do bem, não possui uma existência própria.
Assim como as trevas, que são apenas a ausência da luz, o mal é a ausência de bem nas criaturas que decidiram viver nas trevas do mal.
No livro Cristianismo Puro e Simples, de 1942, Lewis diz o seguinte:
“Estou tentando impedir que alguém repita a rematada tolice dita por muitos a respeito Cristo: ‘Estou disposto a aceitar Jesus como um grande mestre da moral, mas não aceito a sua afirmação de ser Deus’.
Essa é a única coisa que não devemos dizer. Um homem que fosse somente um homem e dissesse as coisas que Jesus disse não seria um grande mestre da moral. Seria um lunático — no mesmo grau de alguém que pretendesse ser um ovo cozido — ou então o diabo em pessoa.
Faça a sua escolha. Ou esse homem era, e é, o Filho de Deus, ou não passa de um louco ou coisa pior. Você pode querer calá-lo por ser um louco, pode cuspir nele e matá-lo como a um demônio; ou pode prosternar-se a seus pés e chamá-lo de Senhor e Deus.
Mas que ninguém venha, com paternal condescendência, dizer que ele não passava de um grande mestre humano. Ele não nos deixou essa opção, e não quis deixá-la. […] Agora, parece-me óbvio que Ele não era nem um lunático nem um demônio, consequentemente, por mais estranho, assustador e inacreditável que possa parecer, tenho que aceitar a ideia de que Ele era e é Deus”.
O trilema vem de um outro pregador cristão, o escocês, “Rabbi” John Duncan (1796-1870), a partir da obra Colloquia Peripatetica. Após Duncan, Watchman Nee, em 1936, desenvolveu o argumento, tendo escrito o seguinte em seu livro Normal Christian Faith:
“Primeiro, se ele alega ser Deus e de fato não é, ele deve ser louco ou lunático.
Segundo, se ele não é Deus e nem um lunático, deve ser um mentiroso, enganando os outros com sua mentira.
E terceiro, se ele não é nenhum desses três, ele deve ser Deus.
Você só pode escolher uma dessas três possibilidades.
Se você não acredita que ele seja Deus, você deve considerá-lo louco.
Se você não consegue vê-lo como nenhum desses dois, você tem de vê-lo como um mentiroso.
Não há necessidade de provarmos se Jesus é Deus ou não. Tudo que temos de fazer é descobrir se Ele é um lunático ou um mentiroso. Se Ele não for nem um nem outro, ele deve ser o Filho de Deus”.
William Lane Craig, apologeta cristão moderno, diz que o trilema seria inválido se Jesus não tivesse realmente existido, ou se a história narrada pela tradição apostólica contida na Bíblia fosse uma fábula.
Padre Paulo Ricardo apresenta em seu site provas históricas da existência real de Jesus. No artigo sobre a existência histórica de Jesus, o historiador Lawrence Mykytiuk apresenta as provas.
O estudioso publicou um artigo no qual sintetiza as informações sobre a vida de Jesus contidas nas principais fontes pagãs e judaicas.
Alguns cristãos tentam conciliar a teoria de Darwin com a sua fé, mas outros buscam mostrar racionalmente que a teoria da evolução está errada e que uma ação especial de Deus é uma melhor explicação para a origem da vida.
Romulo Carleial, doutor em biologia pela Universidade de Oxford, resume os argumentos dos cristãos. Confira sua tese:
A fé e a razão foram conciliadas no ensinamento cristão católico como diz o Papa João Paulo II em sua encíclica Fides et Ratio. O Papa escreveu:
“A fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Não há motivo para existir concorrência entre a razão e a fé: uma implica a outra, e cada qual tem o seu espaço próprio de realização.
[...]
Por isso, o Concílio Vaticano I ensina que a verdade alcançada pela via da reflexão filosófica e a verdade da Revelação não se confundem, nem uma torna a outra supérflua: «Existem duas ordens de conhecimento, diversas não apenas pelo seu princípio, mas também pelo objeto.
Pelo seu princípio, porque, se não conhecemos pela razão natural, no outro fazemo-lo por meio da fé divina; pelo objeto, porque, além das verdades que a razão natural pode compreender, é-nos proposto ver os mistérios escondidos em Deus, que só podem ser conhecidos se nos forem revelados do Alto».
[7] A fé, que se fundamenta no testemunho de Deus e conta com a ajuda sobrenatural da graça, pertence efetivamente a uma ordem de conhecimento diversa da do conhecimento filosófico. De fato, este assenta sobre a percepção dos sentidos, sobre a experiência, e move-se apenas com a luz do intelecto.
A filosofia e as ciências situam-se na ordem da razão natural, enquanto a fé, iluminada e guiada pelo Espírito, reconhece na mensagem da salvação a «plenitude de graça e de verdade» (cf. Jo 1, 14) que Deus quis revelar na história, de maneira definitiva, por meio do seu Filho Jesus Cristo (cf. 1 Jo 5, 9; Jo 5, 31-32)” (Fides et Ratio, 1988, João Paulo II).
Na Igreja Católica, o fideísmo é proibido aos seus fiéis. O Papa Pio IX, no século XIX, condenou a tese fideísta durante o Concílio Vaticano I.
O Fideísmo é uma doutrina religiosa que prega que as verdades metafísicas, morais e religiosas, como a existência de Deus, a justiça divina após a morte e a imortalidade, são inalcançáveis através da razão, e só serão compreendidas por intermédio da fé.
Contudo, a relação entre fé e razão é diferente no protestantismo, conforme mostra o próximo tópico.
A relação entre fé e razão foi rompida na modernidade com o surgimento do protestantismo. Lutero desenvolveu a tese de que a razão humana foi totalmente corrompida após o pecado original, restando apenas a fé como caminho de salvação.
O pastor luterano Vítor Westhelle escreveu no livro Poder e Política - incursões na teologia de Lutero que, em seus escritos sobre a Disputatio de Homine e nas Preleções sobre Gênesis, Lutero:
“[...] simplesmente nega a capacidade da filosofia de definir as causas eficientes e finais para a existência humana”. (WESTHELLE, 2013, p. 324)
No Debate de Heidelberg, Lutero afirma que a cognição natural de Deus é paganismo.
O protestantismo quebra o pensamento católico que une fé e razão. A revolução de Lutero dá início à tradição intelectual de separar a fé da razão no Ocidente.
O filósofo protestante Immanuel Kant aumenta ainda mais a distância entre fé e razão. Para ele, as coisas existem realmente, porém não as podemos conhecer tais quais elas são. Os sentidos e a razão deformariam o real e fornecem apenas uma imagem torcida da realidade.
Kant nega completamente a metafísica que pretende apresentar os seres em si mesmos. O intelecto nada apreende do real. A inteligência captaria apenas a imagem que ela se faz do real.
Esse pensamento mantém a distância entre fé e razão criada por Lutero, já que a razão humana não consegue captar a essência das coisas.
A postura teológica de Lutero e as teorias filosóficas de Kant foram importantes para criar o conflito entre fé e razão na modernidade.
A disputa intelectual a respeito da relação fé e razão é uma das maiores batalhas do Ocidente. Aqueles que são contra a fé criaram diversas teorias e instituições para defender seu pensamento — o marxismo cultural, partidos comunistas, a escola de Frankfurt e muitos outros grupos.
Diante dessa ofensiva, três grandes autores literários se levantaram para defender as tradições de seus pais, a união entre a fé e a razão. Eles são Chesterton, Lewis e Tolkien.
Os três autores foram os maiores oponentes das ideias de Nietzsche, Bernard Shaw, H.G. Wells e todos os autores que declararam a guerra silenciosa para manipular a linguagem, distorcer conceitos, criticar o cristianismo e desordenar o imaginário ocidental.
Para contar as origens dessa guerra silenciosa, a Brasil Paralelo reuniu uma tropa de pesquisadores, roteiristas e especialistas, e foi para o campo de batalha para produzir o primeiro documentário brasileiro sobre os três grandes heróis que são resistência na disputa cultural.
O resultado é o mais novo original BP: “Guerra doImaginário – A jornada de Chesterton, Lewis e Tolkien”. Toque no link para saber mais.
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