O paradoxo das ‘Árvores da Vida’ que se tornaram símbolo do regime nicaraguense

A primeira-dama da Nicarágua, Rosario Murillo, mandou instalar na capital, Manágua, árvores que simbolizam o poder de seu marido e presidente Daniel Ortega. São chamadas Árvores da Vida.

São grandes estruturas metálicas, normalmente amarelas e repletas de luzes. Essas árvores são instaladas nas rotatórias da cidade, em seus principais pontos, às vezes dividindo espaço com imagens da Virgem Maria, do Menino Jesus, de um obelisco que homenageia João Paulo II e até de um monumento a Hugo Chávez. 

As árvores foram instaladas em locais símbolos do terror da ditadura e em locais de refúgio, como Loma de Tiscapa. A ideia era torná-las símbolo do novo poder que se ergue no país. Para os opositores de Ortega, os monumentos são o símbolo de uma ditadura pior que a anterior.

Já em seu 5º mandato, o 4º consecutivo, Daniel Ortega foi reeleito em novembro do ano passado em eleições consideradas antidemocráticas pelos EUA e pela União Europeia. Ortega governa a Nicarágua desde 2007 e promove perseguição sistemática à mídia tradicional e independente, religiosos e opositores.

Carlos Maldonado, pelo El País, reporta que, ao lado da figura de Augusto César Sandino, quem passava pelo centro de Manágua podia ver uma imensa escultura de uma árvore amarela sendo erguida. O artefato de ferro maciço foi instalado nas principais vias da capital nicaraguense. 

Murillo mistura catolicismo, misticismo e sandinismo

Em sua reportagem, Maldonado relata que a primeira-dama mistura catolicismo, misticismo, símbolos pré-hispânicos e sandinismo (movimento político nicaraguense de vertente socialista).

Em 19 de julho de 2013, ela criou a adaptação da árvore da vida na cor amarela, adaptando um desenho do pintor austríaco Gustav Klimt, 1909. Rosario Murillo criou algo semelhante a um altar, colocando Sandino como imagem de adoração, iluminado por um sol com uma serpente emplumada ziguezagueando em seu centro. Em ambos os lados da imagem havia “árvores da vida”.

Segundo a revista Confidencial, o custo de cada árvore supera os 45.000 reais. Sendo este o caso, o investimento causa espanto, frisa Maldonado, já que 47% da população vive abaixo do limite da pobreza. 

“Isto eu não vi nem nos países do extinto bloco soviético”

Relatando um fato que presenciou, o jornalista transcreve o que ouviu de um companheiro de profissão que o acompanhou em uma caminhada pela Praça da Fé, na Nicarágua.

Referindo-se às árvores amarelas nas principais rotatórias da cidade e até mesmo ao lado de um obelisco erguido em homenagem ao papa João Paulo II, disse:

“É incrível que isto aconteça em um país ocidental”, disse o jornalista veterano em cobertura de guerras e ditaduras. E continua: “Isto eu não vi nem nos países do extinto bloco soviético”.

Ao longo da Avenida Bolívar, Maldonado relata ter visto dezenas de árvores acompanhadas de altares à Virgem Maria e presépios com o Menino Jesus. Aumentando a mistura, ao final da avenida, encontrava-se um monumento a Hugo Chávez; tudo decorado com luzinhas.

Crítica

O jornalista Carlos Fernando Chamorro escreveu em sua conta do Twitter: 

“Como a estátua de Somoza, as ‘árvores’ de Murillo representam o símbolo deste regime. Quanto tempo levará até o povo derrubá-las?”

Sofía Montenegro, socióloga e jornalista, critica as árvores e a própria primeira-dama Rosario Murillo:

“Nesta concepção geomântica, o centro, o umbigo do mundo, é a própria Senhora dos Anéis [em alusão a Murillo, dada a usar mais de 30 anéis em suas mãos]; suas arvo-latas amarelas, o emblema do regime. Não há outro sentido para a pretensiosa instalação na Loma de Tiscapa, ao lado do monumento a Sandino, de um colossal e cegante trambolho que lhe dobra em altura e domina a cidade.”  

Árvores destruídas

Manifestantes que protestaram contra o governo derrubaram árvores da vida.

Em vídeo da Agence France-Presse (AFP), um dos manifestantes que participa da derrubada de uma das árvores diz:

“Vamos derrubá-las, todas, sem exceção. E o governo, principalmente. Essa é a ideia principal: derrubar o governo”.