Na terça-feira (22/11), a defesa do presidente Jair Bolsonaro (PL) entrou com uma representação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pedindo que os votos de metade das urnas utilizadas no segundo turno das eleições deste ano sejam invalidados.
São cerca de 279 mil urnas eletrônicas, o que corresponde a 59,2% das máquinas utilizadas na votação.
Segundo a ação, uma auditoria independente realizada a pedido do Partido Liberal constatou que urnas de modelos antigos apresentaram problemas em seus arquivos.
A auditoria alega ter constatado que essas urnas apresentaram um número idêntico de LOG. A sigla é o arquivo que registra todas as atividades realizadas durante o funcionamento da urna. O correto é que cada urna tenha seu número único.
A ação diz que os modelos de 2009, 2010, 2011, 2013 e 2015 das urnas apresentaram:
“Problemas insanáveis de funcionamento, com destaque à gravíssima falha na individualização de cada arquivo LOG de urna e sua repercussão nas etapas posteriores, tais como o Registro Digital do Voto (RDV) e a emissão do Boletim de Urna (BU), e, consequentemente, na ausência de certeza quanto à autenticidade do resultado da votação”.
Carlos Rocha é presidente do Instituto Voto Legal (IVL), grupo responsável pelo trabalho de auditoria contratado pelo partido do presidente. Em entrevista à imprensa, ele afirmou:
“Imaginem um diário, em que cada linha registra uma atividade. O programa que constrói esse LOG lê dois dados, duas informações, direto do hardware, a estampa de tempo, data, hora e segundo, e também o código de identificação da urna. É importante que essas informações estejam todas corretas”.
Segundo ele, o problema não teria ocorrido nas 193 mil urnas do modelo mais recente, de 2020, que correspondem a 40,8% do total utilizado nas eleições.
O senador Carlos Portinho (PL-RJ) disse à imprensa que nas urnas novas, Bolsonaro teve pouco mais que 51% dos votos, contra 48,95% de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O resultado oficial do TSE registrou a vitória de Lula com 50.9% dos votos válidos de todas as urnas, contra 49,1% de Bolsonaro no segundo turno.
Marcos Simplício é professor de Engenharia da Computação da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), pesquisador das áreas de cibersegurança e criptografia e vice-coordenador do convênio USP-TSE que analisa a segurança do sistema de votação.
Para ele, o problema com os números de série das urnas mais antigas existe, mas é algo fácil de solucionar e não chega a comprometer o resultado das eleições.
O professor aponta que há três conjuntos de dados identificadores de uma urna:
“Desses três conjuntos de dados, um deles está faltando, mas na ausência de uma coisa, eu consigo identificar pelas outras. É como se você tivesse três documentos: o RG, o CPF e um registro do INSS, mas você não tivesse esse INSS em mãos. Isso não compromete a sua identificação porque eu consigo dizer quem você é a partir do seu RG e do seu CPF”, exemplifica o professor.
Em vez de três conjuntos de dados, as urnas antigas têm dois para identificá-las e conferir sua autenticidade.
Paulo Lício de Geus, professor do Departamento de Sistemas da Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), chama a atenção para o fato de que essa falha é um indicativo de mau funcionamento do software da urna.
“O problema não é se é possível identificar uma urna individualmente por outros meios, para satisfação do curioso. O problema é que, numa auditoria deste tipo, o auditor deve ser capaz de vincular o equipamento físico com a função a ele atribuída, no caso de serem múltiplas unidades. Isso tem que ser feito de maneira inquestionável utilizando o único mecanismo disponível para tal, que é a identificação gerada pelo fabricante.”
Para Marcos Simplício, o problema é simples:
“Estão tentando transformar um problema que existe, mas é extremamente pequeno, em algo gigantesco. Não é um problema grave, a priori. Pode ter outras coisas por trás, por isso seria bom entender o que aconteceu para saber se o problema é só esse. Mas, batendo o olho, é um problema simples, de consequência nula.”
Uma das consequências dos erros do software é que se pode inferir a existência de outros problemas.
O engenheiro Carlos Rocha apontou que a análise dos arquivos de votação identificou outro problema. Para ele, essa questão representa uma violação ao sigilo do voto.
Durante a votação, várias urnas teriam travado e tiveram de ser religadas pelos mesários. Segundo Carlos Rocha, os LOGs dessas urnas acabaram registrando o número do título ou o nome do eleitor que estava votando no momento do travamento.
“É um ponto muito sensível, porque o sigilo do voto é um direito constitucional. Quando encontra ocorrência que viola o sigilo, é um ponto de preocupação”, disse o engenheiro.
O presidente do Partido Liberal, Valdemar da Costa Neto, falou à imprensa que o objetivo da auditoria é o “fortalecimento da democracia em nosso país”.
“Nós do PL não somos especialistas em segurança de dados, por isso fomos atrás de técnicos que fizessem esse trabalho para garantir a transparência do processo eleitoral”, afirmou aos jornalistas.
“Esse relatório não expressa a opinião do Partido Liberal. Deve ser analisado pelos especialistas do TSE, de forma que seja assegurada e resguardada a integridade do processo eleitoral, com o único intuito de fortalecer a democracia do Brasil”, afirmou Costa Neto.
Valdemar Costa Neto, Carlos Portinho e Carlos Rocha não chegaram a afirmar que a ação deveria levar ou não à anulação das eleições.
Para o presidente do PL, a ação tem como objetivo uma “verificação extraordinária” do pleito. Este procedimento é permitido pelo TSE e está previsto em resolução sobre a fiscalização da eleição aprovada no ano passado.
Para apresentar representações como a do PL, a norma exige que “sejam relatados fatos e apresentados indícios e circunstâncias que a justifiquem, sob pena de indeferimento liminar”.
O PL sustenta na representação que a ação deve ser julgada pelo plenário do TSE. Este júri é composto por sete ministros e não tem natureza administrativa, hipótese que permitiria ao presidente da Corte decidir monocraticamente.
Na ação também houve pedido para que a representação fosse distribuída livremente entre os ministros, Cármen Lúcia foi sorteada como relatora.
O presidente do TSE, Alexandre de Moraes, despachou na ação afirmando que as urnas utilizadas no segundo turno foram as mesmas do primeiro.
Para o Ministro, o PL deve ajustar a ação para que o pedido de invalidação dos votos abranja também o primeiro turno. Caso o despacho seja incluído, seriam invalidados os votos que elegeram deputados, senadores e parte dos governadores.
No despacho, Alexandre de Moraes disse que essa alteração na ação deve ser feita em 24 horas, "sob pena de indeferimento da inicial", ou seja, de arquivamento do processo. O PL foi o partido que elegeu o maior número de parlamentares federais nas eleições, com 99 deputados e 14 senadores.
A pedidos do presidente Jair Bolsonaro, a auditoria do PL foi iniciada em julho e tinha como objetivo inicial verificar se procedimentos de segurança e a gestão da área de tecnologia do TSE seguem as normas vigentes e as melhores práticas da área.
Em setembro, um resumo de duas páginas com as principais conclusões do trabalho foi divulgado por parlamentares do partido. Ao todo, 24 falhas foram identificadas, como descumprimento de regras oficiais, tecnologias deficientes para certificação digital dos votos, risco de quebra do sigilo, além de problemas de governança.
O documento apontou, por exemplo, que havia um “poder absoluto” de alguns técnicos da Corte para “manipular resultados da eleição, sem deixar qualquer rastro”.
“Somente um grupo restrito de servidores e colaboradores do TSE controla todo o código fonte dos programas da urna eletrônica e dos sistemas eleitorais […] sem qualquer controle externo”, dizia o resumo.
Não foram encontrados os procedimentos necessários para proteger estas pessoas expostas politicamente (PEP) contra a coação irresistível, gerando outro risco elevado”.
Divulgado na semana anterior ao primeiro turno, o documento também afirmou haver risco de invasão interna ou externa nos sistemas eleitorais, “com grave impacto nos resultados das eleições de outubro”.
Um “quadro de atraso” na implantação de medidas “mínimas necessárias” na segurança da informação também foi apontado.
No mesmo dia da divulgação do resumo, o TSE emitiu nota classificando de “falsas e mentirosas” as conclusões da auditoria, “reunindo informações fraudulentas e atentatórias ao Estado Democrático de Direito e ao Poder Judiciário, em especial à Justiça Eleitoral, em clara tentativa de embaraçar e tumultuar o curso natural do processo eleitoral”.
O presidente do TSE, Alexandre de Moraes, mandou que os responsáveis fossem investigados no inquérito das fake news, que ele mesmo conduz no Supremo Tribunal Federal (STF).
O TSE também passou a apurar se recursos públicos do fundo partidário foram usados para pagar o Instituto Voto Legal (IVL), responsável pela auditoria.
Além da auditoria do PL, Bolsonaro também cobrou do Ministério da Defesa uma fiscalização mais profunda das urnas eletrônicas. Esse trabalho foi iniciado no ano passado, quando as Forças Armadas passaram a integrar o grupo de entidades fiscalizadoras do sistema.
No último dia 9, após o segundo turno, a pasta divulgou um relatório sobre o trabalho. Não apontou fraude na votação, mas não excluiu essa possibilidade e fez várias críticas ao sistema.
O principal problema estaria no acesso à rede de computadores que fazem a compilação do código-fonte, ou seja, a conversão dos algoritmos em programas executáveis pelas urnas.
“A ocorrência de acesso à rede durante a compilação pode configurar relevante risco de segurança ao processo”, disse o relatório das Forças Armadas.
Em reportagem do jornal Gazeta do Povo, o TSE esclareceu que trata-se de uma rede segura, sem permanente conexão à internet.
“Trata-se de um ambiente com controle totalmente diferenciado e com segurança superior aos ambientes de desenvolvimento de sistemas comuns nas demais organizações mundo afora, onde os ambientes de compilação não possuem restrições nesses níveis”, afirmou o TSE.
Tanto o IVL quanto a Defesa defendem aprimoramentos no teste público de segurança, na auditoria e na fiscalização.
Por sugestão dos militares, parte das urnas passou a ser testada dentro ou perto da seção eleitoral com a biometria de eleitores voluntários. Antes da mudança, os testes eram feitos apenas nos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) por servidores acompanhados de representantes de partidos e outras entidades fiscalizadoras.
A mudança foi acolhida em parte pelo TSE, com o objetivo de aproximar o teste ao máximo de uma votação real, de modo a reduzir o risco de que a urna identificasse que estava sendo testada.
Ao divulgar o resultado do experimento, o tribunal afirmou que não houve discrepância entre os resultados da votação digital e aquela inscrita em cédulas.
Em resposta, a Defesa disse que: “não é possível afirmar que o sistema eletrônico de votação está isento da influência de um eventual código malicioso que possa alterar o seu funcionamento”.
Os militares consideraram baixa a participação de eleitores voluntários, de modo que o número de votos no teste ficou muito aquém da quantidade normal numa seção eleitoral.
A diferença seria mais uma brecha para a urna perceber que seria testada e assim se comportar de forma diferente de uma eleição real. O TSE diz que não é possível obrigar eleitores a participar.
No último dia 15 de novembro, em meio a protestos em frente aos quartéis contra a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, um novo documento foi divulgado apontando outro problema nos arquivos da votação publicados pelo TSE após o pleito.
O documento continha o timbre do PL e afirmava que os LOGs das urnas antigas seriam invalidados porque apresentavam o mesmo número de identificação.
No mesmo dia da publicação do relatório na imprensa, o engenheiro Carlos Rocha, presidente do IVL e responsável pela auditoria do PL, declarou em nota que se tratava de uma “versão obsoleta e que não está assinada por ninguém”.
Em entrevista informal no último sábado (19/11), o presidente do PL Valdemar da Costa disse que pediria ao TSE uma revisão de cerca de 250 mil urnas que estaria com o mesmo número de patrimônio
Costa Neto afirmou que a intenção não seria pedir uma nova eleição, mas disse que essas urnas “não podem ser consideradas” e que o TSE teria de dar uma resposta ao problema.
“Não tem como controlar a urna. Você vai checar a urna antes da eleição e são todas com o mesmo número. Temos a prova e vamos mostrar que essas urnas não podem ser consideradas. Vamos ver o que o TSE vai resolver, vai decidir", disse Costa Neto.
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