“Eu já tinha 33 anos de idade. Falei: ‘poxa, isso deveria ter acontecido comigo aos 18 anos, como as minhas colegas de sala’.”. A frase é de Aline Odara, uma empreendedora que conseguiu estudar na Unicamp beneficiada pela Lei de Cotas.
As cotas são vagas reservadas em universidades estatais para alunos de escolas públicas. Atualmente, a quantidade prevista é de 50% da oferta. Neste percentual, há uma parte destinada a pretos, pardos e portadores de deficiência.
Dados do INEP mostram que mais de um milhão de pessoas cursaram graduação através do benefício entre 2012 e 2022. Apenas em 2019 foram:
Segundo o estudo, o desempenho de quem ingressa nas instituições por meio de cotas é semelhante ao daqueles que entraram por ampla concorrência.
O professor de Direito Constitucional do Centro Universitário Newton Paiva, Gustavo Corrêa, enfatiza que as cotas foram importantes para o ensino superior. Ele acredita que a política tenha colaborado de modo fundamental para o aumento da diversidade nas universidades.
“O interessante é que a experiência sempre se renova, haja vista que envolve medidas de compensação social que visa concretizar, ao menos em parte, uma igualdade de oportunidades com os demais indivíduos, que não sofreram as mesmas espécies de restrições, daí ressurge a complexidade e a diversidade de atores que ocupam locais de falas distintos, mas que merecem ser respeitados e ouvidos pelas suas diversidades”.
Na avaliação do professor, o desempenho dos alunos cotistas, ao longo do curso, não é inferior ao dos demais estudantes. Porém, ressalta a importância de ela não ser um fim em si mesma.
“Percebo que o impacto das cotas raciais tem se apresentado como positivo, ressaltando sempre a complexidade que envolve a heterogeneidade existentes entre os cursos superiores ofertados no Brasil, que em grande medida esbarra em um nível diferenciado de concorrência e de exigência de desempenho na educação básica, notadamente em português e matemática, fatores que influenciam na permanência, no desempenho e na conclusão no ensino superior”.
Crítica à política de cotas raciais, a socióloga Geisiane Freitas discorda da forma como o sistema foi desenvolvido. No ano passado, ela esteve em uma audiência pública do Senado Federal para debater as mudanças na lei.
Pesquisadora de relações raciais e de gênero há 10 anos, ela critica a tese de cotas como modo de reparação histórica. Contou que não concorda com a política, pois entede que ela se baseia em uma falácia. Explica que parte da população negra foi lesada no tempo da escravidão, mas não toda.
“Durante a escravidão no Brasil, por exemplo, houve negros que também tinham escravos, ou seja, só por meio desse ponto não é possível medir, tampouco "compensar", os negros que sofreram com o legado da escravidão”.
Afirma também que é errado analisar o período sem levar em conta o contexto da época:
“Não faz sentido tal reparação uma vez que outros mecanismos de ascensão social surgiram desde a abolição - que já tem 135 anos. O pautar a vida da população negra tendo como eixo a mazela social - o racismo - e criando ‘soluções’ a partir disso passa a imagem de que a população negra só existe em razão da ideia de autopiedade, o famoso vitimismo”.
Ela cita ainda Thomas Sowell, intelectual que estudou políticas de ação afirmativa, como as cotas, mundo afora. Nos locais que analisou, a pequisa constatou que as pessoas tinham preconceito com a qualidade dos profissionais beneficiados por essas políticas:
“Suspeitavam se negros tinham capacidade de exercer profissões como a de médico”.
Para garantir que os alunos contemplados sejam mesmo negros, um grupo de pessoas da faculdade o entrevista. Ao longo da conversa, é avaliado se a pessoa “é negra o suficiente”. Segundo a socióloga, essas bancas que avaliam o quão negra uma pessoa é utilizam técnicas semelhantes às nazistas.
“É uma espécie de "negrômetro" que avaliará se um indivíduo é negro ou não. Essas bancas sempre causam constrangimento e acumulam uma dezena de erros em aferir que pessoas claramente negras ou pardas não têm direito à cota racial por não ser negra o suficiente”.
Geisiane conta o caso de um aluno de medicina da USP que teve seu requerimento reprovado porque tinha o cabelo raspado. No início de 2024, Alison dos Santos Rodrigues foi barrado por não ser considerado pardo. A banca entendeu que ele tem “pele clara, boca e lábios finos e cabelos raspados”.
O jovem entrou na Justiça e foi reintegrado à faculdade. O magistrado que julgou a ação entendeu que a fotografia anexada ao processo já provava a raça de Alisson. Ele voltou para o curso.
O texto foi revisto em 2023. Agora, os alunos serão avaliados primeiramente pela nota, respeitando a livre concorrência. Isso significa que se um cotista tiver uma pontuação alta o suficiente, pode obter sua vaga sem precisar das cotas.
Após a classificação de metade das vagas, caso a pessoa não seja aprovada, terá uma nova chance por meio das cotas.
No início da semana passada, o debate sobre o impacto das cotas na sociedade voltou à tona. Lorena Pinheiro foi aprovada para ser professora de otorrinolaringologia na Universidade Federal da Bahia através de uma cota prevista no edital.
De acordo com o texto, caso só existisse uma vaga disponível para um determinado cargo, a mesma seria de um cotista. A médica ficou em 4º lugar geral, mas foi classificada. A candidata que ficou em 1º lugar, uma mulher branca, contestou o resultado judicialmente. O pedido foi aceito, e a profissional não pôde assumir o cargo. Ela diz que ficou arrasada quando soube. Tanto a UFBA como Lorena irão recorrer
Para uma médica paulista, que não quis se identificar por medo de represálias, não deveriam existir cotas nesse tipo de concurso.
“Isso é um completo absurdo. Ambas as médicas são especialistas, não há nada que as diferencie. Cota para concurso público superior, residência médica, acho um completo absurdo.”.
As situações apresentadas mostram que, apesar dos resultados positivos, o choque entre os sistemas de cotas e de aprovação regular ainda causa tensões éticas e sociais. Outro ponto importante é a controvérsia sobre a existência da chamada dívida histórica. Há um grupo que conteste se, de fato, o que se configura é um privilégio.
Diante disso tudo, resta saber o que o poder público fará para implementar um sistema de cotas eficientes em que um grupo não seja prejudicado e outro privilegiado.
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