Na última semana, o cidadão brasileiro voltou a se preocupar com a preservação do direito à liberdade de expressão. Na terça-feira (28/5), o Congresso manteve o veto a um trecho da lei 14.197/21, a lei que configura os crimes contra o Estado Democrático de Direito. A manutenção do chamado “veto da liberdade” impede a criminalização das supostas notícias falsas.
Em uma sessão conjunta no Senado e na Câmara, o veto foi mantido com 317 votos favoráveis, 139 contrários e 4 abstenções. Seriam necessários 257 votos para que fosse derrubado.
O resultado significou uma derrota séria para o governo, que há meses se empenha em aprovar medidas que envolvam a imposição de regras às mídias, incluindo a cobrança de impostos.
A expressiva mobilização social pela manutenção do veto comprova que grande parte da sociedade não aderiu à ideia de que combater as supostas notícias falsas é importante para preservar a democracia.
O que significa o veto 46/21?
Em 2021, o Congresso aprovou uma nova regra que substituiu a Lei da Segurança Nacional. A norma define os crimes contra o Estado Democrático de Direito, entre os quais originalmente constava “comunicação enganosa em massa”.
A lei foi sancionada pelo então presidente Jair Bolsonaro. Ele vetou alguns trechos, entre os quais o que previa pena de até cinco anos de reclusão para quem disseminasse fatos que sabe inverídicos.
Ao vetar parcialmente o projeto, o presidente alegou a falta de critérios claros para a definição do que seria criminalizado.
Justificou ainda a possibilidade do estabelecimento de uma espécie de “tribunal da verdade”, que identificaria uma notícia verídica e outra passível de punição.
Se o veto fosse derrubado, conforme buscava a ala governista, o trecho da lei voltaria a ter validade, estabelecendo que pessoas possam ser punidas com reclusão de 1 a 5 anos por promoção ou financiamento de " campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral”.
Na mesma sessão, a Câmara analisou outros 17 vetos importantes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dentre os quais o mais polêmico era o que restringia a saída de presos das penitenciárias para participar de atividades de convívio social ou visitar as famílias.
É a chamada “Lei das Saidinhas”, vetada pelo presidente Lula em agosto de 2023.
No centro do projeto está a discussão sobre os danos causados pelo compartilhamento de notícias supostamente falsas e o direito à liberdade de expressão. O debate divide especialistas e juristas.
O atual presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, é um dos principais ativistas no combate ao compartilhamento de notícias que ele alega como falsas, incluindo o apoio à regulamentação de mídias sociais, e a cobrança de impostos.
Em seu discurso de despedida no TSE, o ministro enfatizou o empenho da Justiça eleitoral para combater o que ele chama de desinformação:
“Isso (desinformação) vem levando, em vários lugares do mundo mundo, populistas contrários à democracia chegarem ao poder. No Brasil não, no Brasil o poder Judiciário, esse TSE, apoiado por 27 tribunais regionais eleitorais, por todos os juízes eleitorais, membros do Ministério Público Eleitoral, apoiado pela Ordem dos Advogados do Brasil. Aqui no Brasil nós mostramos que é possível uma reação a esse novo populismo digital extremista que pretende solapar as bases da democracia”, declarou em suas palavras finais.
Em vários eventos, Moraes já defendeu tese semelhante à do cientista político Giuliano Da Empoli. Em seu livro “Os engenheiros do Caos”, Da Empoli afirma que um populismo cresce no mundo alicerçado em campanhas internacionais de compartilhamento de “Fake News”, incentivando a polarização política.
Na obra, eles analisam o modo como estrategistas políticos usam big data, redes sociais e algoritmos para manipular a opinião pública.
De modo sutil, Da Empoli e o grupo de acadêmicos ao qual ele se alinha associam a expansão do que definem populismo digital ao crescimento da direita ao redor do mundo. O marco inicial que adotam é a vitória eleitoral de Donald Trump sob a chefia executiva de Steven Bannon, em 2016.
O especialista em direito empresarial e professor Talles Giaretta afirma que o populismo digital é uma realidade. Aponta que a conduta não é exclusiva de um ou outro grupo político:
“É importante reconhecer que a desinformação não é exclusiva de um espectro político específico e, por vezes, ocorre até na mídia tradicional, seja por Fake ou Hidden News (notícias falsas ou escondidas). Trata-se de um fenômeno global, que pode ser instrumentalizado por diferentes grupos de interesse”.
Ao assumir o cargo, em junho de 2022, Moraes afirmou que a Justiça Eleitoral não iria tolerar “que milícias, pessoais ou digitais, desrespeitarem a vontade soberana do povo e atentarem contra a Democracia no Brasil.”
Quando o ministro assumiu a presidência do TSE, em 2022, o debate sobre Fake News já havia ganhado força. Em 2019, uma determinação dele determinou a retirada de conteúdo O Antagonista e a Revista Crusoé retirassem do ar duas matérias que citassem a delação de Marcelo Odebrecht.
No texto das reportagens, outro ministro, Dias Tofolli era chamado de “O amigo do amigo do meu pai”.
Moraes, Mendes, Barroso e outros ministros que afirmam suas posições publicamente não são os únicos favoráveis à punição de quem compartilha notícias falsas.
O deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ) foi um dos mais ferrenhos defensores da derrubada do veto. Ao usar a tribuna da Câmara ele afirmou que a tipificação desses crimes seria uma maneira de proteger o Estado Democrático.
“...É tentativa de golpe de Estado com o uso de força. É promoção ou financiamento de campanha ou iniciativa de disseminar fatos inverídicos e comprometer o processo eleitoral”, afirmou.
Farias ainda enfatizou que “o que ele [Bolsonaro] está fazendo [ao vetar trechos do projeto] é desfigurar toda a legislação que coloca como crime o atentado à democracia brasileira”.
Especialistas discordam que a derrubada do veto seria importante para a manutenção do Estado Democrático de Direito.
Entre os principais problemas apontados no trecho que Bolsonaro vetou é a falta de definição clara dos critérios para qualificar alguém como autor de notícias falsas.
Sem saber se o criminoso é quem comete ou quem compartilha a aclamada notícia falsa, a pessoa poderia ser punida a partir de critérios subjetivos.
O professor Giaretta ressalta que a falta de critérios para definição da matéria passível de punição pode gerar sentenças injustas:
“A definição de “Fake News” permanece vaga. Não há critérios objetivos e precisos no projeto de lei que determinam forma sem margem para dúvidas, o que configura notícia falsa e o que diferencia uma divergência de opinião.
Essa falta de clareza pode levar a interpretações subjetivas e arbitrárias, criando um risco significativo de injustiças, abusos na aplicação da lei e cerceamento do direito constitucional de liberdade de expressão”, afirmou em entrevista exclusiva ao portal Brasil Paralelo.
Importantes agentes políticos concordaram. Líder da oposição, o senador Rogério Marinho (PL-RN) comemorou a retirada do veto:
“Hoje é um dia importante para a liberdade, para quem tem espírito crítico, para a liberdade de opinião.
Nós conseguimos manter um veto realizado em 2021 pelo presidente Bolsonaro que impede que o cidadão comum que faça uma crítica, fiscalize, que acompanhe as ações do governo com uma visão mais crítica possa ser considerado um criminoso, que pode ter uma pena de até 5 anos ”, ressalta o senador.
Marinho também afirma a falta de critérios claros definidas no projeto:
“Quem definirá o que é Fake News é o governo de ocasião”, ressaltou.
Outro ponto importante do projeto é a relação entre democracia e cerceamento de liberdade de expressão.
Em participação em evento do Grupo de Líderes Empresariais (LIDE), em 2022, o ministro ressaltou a importância fundamental de impedir o compartilhamento de notícias falsas para manter a ordem democrática:
"Não é possível que as redes sociais sejam terra de ninguém", disse. "Não é possível que as milícias digitais possam atacar impunemente sem que haja uma responsabilização dentro do binômio tradicional da liberdade de expressão, que é a liberdade com responsabilidade".
O professor Giaretta rememora a legislação já prevê punição para quem realmente pratique discurso criminoso, como nos casos de incentivos à pedofilia, homicídio etc…
“O Código Penal brasileiro e a legislação eleitoral já contém dispositivos para punir quem utiliza a liberdade de expressão para cometer ou incentivar crimes, como calúnia, difamação e injúria.
Essas disposições são suficientes para abordar casos onde a liberdade de expressão é usada de forma abusiva”, ressalta.
O especialista ainda ressalta que as consequências da tipificação de novas penalidades sem critérios claros podem aumentar o risco de censura:
“A introdução de novas penalidades específicas para "fake news" sem critérios claros pode redundar em sobreposição normativa e exacerbar o risco de censura, sem necessariamente aumentar a eficácia do combate à desinformação”.
O Brasil é uma sociedade democrática, o que significa que é positivo que o debate sobre liberdade de expressão prossiga, tanto quanto que o direito à liberdade de manifestação de pensamento continue plenamente respeitado.
A intensa mobilização em torno da aprovação do trecho da lei que criminaliza o compartilhamento das Fake News deixa claro que, em democracias, o direito à liberdade de expressão é fundamento de todo o desenvolvimento que conduz à evolução.É da “mão de todas as liberdades” que se trata.
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