Fernanda Torres ganhou o Globo de Ouro por Ainda Estou Aqui, baseado na história do deputado pai de Marcelo Rubens Paiva, preso e desaparecido durante a ditadura.
Merece comemoração? Talvez até pouco tempo atrás, fosse motivo de unânime festa nacional. Mas com a política aflorada como está, também isso vira tema de debate.
“Ainda Estou Aqui” é um filme sobre a ditadura brasileira. Que bom que há filmes sobre a ditadura brasileira, assim como ótimos filmes sobre a ditadura argentina (muito pior que a nossa). Argentina, 1985. “O Segredo dos Seus Olhos”, este último, disponível na plataforma de assinantes da Brasil Paralelo.
Nos chamados anos de chumbo, na falta de outro meio de expressão, nasceram algumas das mais marcantes músicas de toda uma geração. Protestos, muitas vezes disfarçados por causa da censura, que ficaram perenizados em nossa memória. Chico, Caetano, Geraldo Vandré, Elis Regina, Sérgio Sampaio, Gilberto Gil. Tantos nomes ficaram marcados, e tantas pessoas acreditavam que eles cantavam por liberdade...
Poderia alguém dizer a Lula da Silva:
“Apesar de você amanhã há de ser outro dia;
'Inda pago pra ver jardim florescer;
Qual você não queria;
Você vai se amargar;
Vendo o dia raiar;
Sem lhe pedir licença;
E eu vou morrer de rir;
Que esse dia há de vir;
Antes do que você pensa....” (Apesar de Você – Chico Buarque)
Ou esse “antes do que você pensa” seria interpretado como uma ameaça à democracia, por sugerir um fim antecipado do mandato? Quem pode garantir?
E SE, ao ver centenas de pessoas censuradas no Twitter, com perfis cancelados, dissessem:
“Pai, afasta de mim este cálice (Cale-se);
De vinho tinto de sangue...
Como é difícil acordar calado,
Se na calada da noite eu me dano,
Quero lançar um grito desumano,
Que é uma maneira de ser escutado.
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa” (Cálice – Chico Buarque)
Algum intérprete cantaria a algum ministro de alguma Corte:
“Hoje você é quem manda;
Falou, tá falado,
Não tem discussão, não.
A minha gente hoje anda;
Falando de lado e olhando pro chão.
Viu?
Você que inventou esse Estado,
Inventou de inventar,
Toda escuridão. Você que inventou o pecado, Esqueceu-se de inventar o perdão.” (Apesar de Você – Chico Buarque)
Que música, em que tom, escreveriam sobre o morador de rua que, preso por dormir na rua errada, foi libertado apenas essa semana?
Quantos filmes farão sobre essa injustiça?
Que ode cantarão ao pobre homem?
Aliás, como soará o título, "Ainda estou aqui”, nos ouvidos dos presos de 8 de janeiro, que deveriam sim pagar por seus atos de vandalismo, mas de forma proporcional e justa, dentro da lei?
Pode alguém dizer a Rodrigo Constantino, com passaporte brasileiro cassado:
“Meu caro amigo, me perdoe, por favor;
Se eu não lhe faço uma visita;
Mas como agora apareceu um portador;
Mando notícias nessa fita;
Aqui na terra, tão jogando futebol;
Tem muito samba, muito choro e Rock'n'roll;
Uns dias chove, noutros dias bate sol;
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta
Muita careta pra engolir a transação
E a gente tá engolindo cada sapo no caminho
E a gente vai se amando que também sem um carinho
Ninguém segura esse rojão” (Meu Caro Amigo – Chico Buarque)
“Quantos mais precisam deixar o país, dizendo
Pra você que me esqueceu
Aquele abraço!
Alô, Rio de Janeiro, aquele abraço!
Todo o povo brasileiro, aquele abraço!” (Aquele Abraço – Gilberto Gil )
“Será que um certo assessor, de um certo ex-presidente da República, ao ver chegar a polícia, disse para a esposa
Acorda, amor;
Eu tive um pesadelo agora;
Sonhei que tinha gente lá fora;
Batendo no portão, que aflição;
Era a dura, numa muito escura viatura;
Minha nossa santa criatura;
Chame, chame, chame lá;
Chame, chame o ladrão, chame o ladrão;
Se eu demorar uns meses
Convém, às vezes, você sofrer
E pode me esquecer” (Acorda, Amor – Chico Buarque)
“Será que alguém, do alto de um caminhão de som, poderia cantar a uma massa vestida de verde e amarelo;
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Somos todos soldados, armados ou não;
Caminhando e cantando e seguindo a canção”.
(Pra não dizer que não falei das Flores, Geraldo Vandré)
Ou isso seria considerado incitação à violência, tentativa de derrubada do regime democrático?
Quantos inquéritos responderia quem, em um grupo de WhatsApp, sugerisse uma marcha a Brasilia, "caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento, num sol de quase dezembro?" (Alegria, Alegria – Caetano Veloso)
Pois é. Se todos esses artistas hoje levantassem a sua voz, eu celebraria.
Que falta faz, hoje, a arte, na defesa da liberdade. Se o fizessem, seria possível acreditar que amam a liberdade alheia também.
Mas parece que, sentados no colo do governo, dedicam-se apenas a mamar nas leis de incentivo. Enquanto seus bolsos são cheios com dinheiro de impostos, não ousam descontentar o governo – vai que o Ministro corta sua Rouanet…
Também as ditaduras vizinhas, de Cuba e Venezuela, não ganham atenção da dita “classe artística”.
Se os Chicos, os Caetanos, as Fernandas Torres e Montenegros, se todos, hoje, cantassem a destruição da liberdade que seus amigos promovem,
Então mereceriam todos os Globos de Ouro, todos os Oscars, todos os Grammys do mundo. Mereceriam, até, o nosso respeito.
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