Era uma vez um escritor francês, Stendhal, que visitou a Basílica de Santa Croce em Florença, Itália. Após observar os famosos afrescos de Giotto no teto, teve uma palpitação no coração que quase o levou ao chão. Essa é uma história real e é objeto de estudo psiquiátrico.
Muitos nunca ouviram falar disso, mas é possível passar mal por causa do contato com um “excesso de beleza”.
Essa é uma importante questão, também foco de reflexão no documentário A Primeira Arte, disponível gratuitamente. Esse documentário sobre música está entre os mais belos já produzidos e levou muitas pessoas às lágrimas.
A Síndrome de Stendhal, hiperculturemia ou síndrome de Firenze (Florença) é um tipo de doença psicossomática, o que significa que as alterações de espírito são sentidas fisicamente. Ela pode causar desde simples aceleração cardíaca até alucinações e desmaios quando uma pessoa é exposta a obras de arte de extraordinário valor.
Sua origem se vincula ao relato do escritor francês Stendhal (1783-1842), pseudônimo de Henri-Marie Beyle.
Em 1817, ele descreveu seus sintomas em detalhes pela primeira vez. Isso foi publicado no livro Nápoles e Florença: uma viagem de Milão a Reggio.
Quando ele estava na Basílica de Santa Croce em Florença, na Itália, ficou extremamente emocionado ao contemplar, no teto, os afrescos do renascentista Giotto di Bondone (1276-1337). Ele teve alucinações e chegou a passar mal.
Stendhal também foi intimamente tocado diante dos túmulos de alguns grandes nomes da história, cujos restos mortais estavam no interior da igreja: Michelangelo Buonarroti (1475-1564), Niccolò Machiavelli (1469-1527) e Galileu Galilei (1564-1642).
Sua descrição foi assim:
“Eu caí numa espécie de êxtase, ao pensar na ideia de estar em Florença, próximo aos grandes homens cujos túmulos eu tinha visto. Absorto na contemplação da beleza sublime… Cheguei ao ponto em que uma pessoa enfrenta sensações celestiais… Tudo falava tão vividamente à minha alma… Ah, se eu tão-somente pudesse esquecer. Eu senti palpitações no coração, o que em Berlim chamam de ‘nervos’. A vida foi sugada de mim. Eu caminhava com medo de cair.”
E não foi apenas Stendhal que relatou sintomas assim. Centenas de pessoas alegam a mesma coisa em circunstâncias parecidas.
Em 1979, a “Síndrome de Stendhal” foi descrita e nomeada pela psiquiatra italiana Graziella Magherini. Ela é a autora do livro La sindrome di Stendhal: il malessere del viaggiatore di fronte alla grandezza dell’arte (A Síndrome de Stendhal: o Mal-Estar do Viajante Diante da Grandeza da Arte).
Também conhecida como hipercultumeria ou Síndrome de Florença, trata-se da doença psicossomática que algumas pessoas desenvolvem ao serem expostas a obras de arte que possuem um valor fora do comum.
Apesar das catalogações em publicações especializadas, a doença de Stendhal não está listada pela American Psychiatric Association DSM – Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders.
Para o psicólogo Renato Belin Castellucci:
“São convenções onde se estipula os distúrbios que são categorizáveis. Mesmo não estando listada, isso não invalida a experiência. Cabe sempre o convite à compreensão de que isso é uma experiência anômala, mas possível”.
Nas palavras de Magherini, Stendhal viveu um episódio muito importante, que
“deve-se ao fato de que a história dessas emoções assume um valor simbólico, extensível a uma analogia gigante em diferentes contextos e tempos em que, no entanto, o elemento é a presença do sujeito em um lugar de arte”.
Para ela, a viagem pela arte é uma jornada também da alma, e desperta emoções e sentimentos em algumas pessoas, algumas vezes difíceis de controlar.
A música, por exemplo, pode transformar o mundo porque ela pode transformar cada pessoa.
A maioria das pessoas não é afetada por isso, senão as que já têm predisposição à abertura artística e uma grande sensibilidade individual.
Inclusive, é preciso algum grau de estudo para ser afetado por obras tão carregadas de simbologia e história. Florença é uma cidade que tem muito disso, pois é o berço do Renascimento.
Sem sensibilidade estética e conhecimento da historiografia local e mundial, as chances de ter Síndrome de Stendhal são raras.
A pesquisa de Magherini revelou que a Síndrome de Stendhal foi vivenciada majoritariamente por um tipo de pessoa. 87% dos que apresentaram o sintoma viajavam sozinhos.
Além disso, os sintomas apareciam em ambientes repletos de arte e história. Ela explica que são lugares onde esses indivíduos podem enfrentar a própria identidade.
A teoria vai além, abarcando a vontade de viajar como sendo um dos desejos mais primitivos do ser humano. Quando se faz isso, por causa do que se vê, das culturas e das pessoas que se conhece no caminho, o viajante se confronta o tempo todo, pensando em sua vida.
Sua identidade oscila entre construção e desconstrução. A mente pode se desorganizar momentaneamente e pode se enriquecer culturalmente.
Para a psicóloga e psicoterapeuta Vanessa Ferreira Franco, especialista em cinesiologia psicológica, psicodrama e psicologia transpessoal, a Síndrome de Stendhal une dois fatores em pessoas já sensíveis:
Eis sua análise:
“É inevitável que em um lugar onde há uma grande invocação da arte e da arte sacra que simpatizantes ‘peregrinos da arte’ estejam sujeitos a reagir de forma expressiva a obras de tamanha magnitude e beleza. Por conta disso, é natural que o corpo se expresse na forma de sintomas como uma maneira de manifestar sua resposta em correspondência a tal invocação”
“A síndrome acomete especialmente simpatizantes sensíveis à arte e turistas. Acredito que a soma dos fatores ‘universo artístico’ e o ‘estrangeirismo”, se assim posso colocar, por si só já abre um campo favorável e disponível para que manifestações psicossomáticas dessa ordem possam ocorrer. O simples fato de você se colocar em um território desconhecido ao seu, e de já possuir uma certa sensibilidade a expressão da arte, já o coloca em um espaço psíquico predisposto a tais reações e respostas no corpo dessa natureza. E isso, do meu ponto de vista, já é digno de consideração e legitimidade.”
As pessoas que visitam Florença estão mais suscetíveis a passar por isso, mas pode acontecer com qualquer um que esteja sobrecarregado de obras-primas artísticas.
A Síndrome de Stendhal causa aceleração do ritmo cardíaco, vertigens, desmaio, confusão mental e, possivelmente, alucinações.
Contribuindo com a explicação sobre o que é Síndrome de Stendhal, o professor de medicina, pesquisador da Universidade de Yerevan, na Armênia, diz:
“Os sintomas são ansiedade, taquicardia, palpitações cardíacas, tontura, desorientação, perda de identidade, exaustão física, desmaios, confusão, ataques de pânico temporários, ataques de loucura que duram dois ou três dias e alucinações”, escreveu ele. “A síndrome de Stendhal é uma doença psicossomática rara, que ocorre mais comumente em turistas que criaram sintomas de estresse tentando ver e fazer demais durante uma visita a uma cidade famosa por seus museus, galerias de arte e marcos históricos.”
Outros sintomas são: sensação de profunda emoção, seguida de um leve entorpecimento, desorientação têmporo-espacial momentânea, sudorese profusa e desrealização.
Por outro lado, são sintomas positivos, já que apontam para um processo de integração interior. O indivíduo confronta outra percepção de si mesmo e da realidade.
Se uma pessoa se percebe desconcertada diante da beleza, pode meditar sobre a própria vida. O contato com a beleza revela algo maior que a própria personalidade de quem vê a obra de arte.
Os sintomas podem durar poucas horas ou, em alguns casos, alguns dias. No fim, qualquer sensação de pânico ou medo é, na verdade, uma transcendência.
Os sintomas descritos foram catalogados por Graziella Magherini, no hospital Santa Maria Nuova de Florença, em 106 pacientes. Eram viajantes que passavam por Florença pela primeira vez.
Edson José Amâncio, baseando-se nesses relatos, propôs em sua pesquisa que Dostoiévski teve os sintomas da Síndrome de Stendhal.
Ele se baseou nas descrições de Dostoiévski diante do quadro O Cristo Morto, de Hans Holbein, o jovem. Aconteceu no museu da Basiléia e o fenômeno foi descrito por sua segunda esposa, Anna Grigoriévna Sniktina.
Em O Idiota, romance de Dostoiévski, o personagem principal, o príncipe Míschkin, demonstra os mesmos sentimentos pelo quadro.
Em 15 de dezembro de 2018, um turista italiano de 70 anos sofreu uma parada cardíaca e desmaiou enquanto contemplava O Nascimento de Vênus. À sua direita estavam as telas: A Primavera e A Adoração dos Magos. À sua esquerda, A Anunciação e às suas costas, o Tríptico Portinari, de Hugo van der Goes.
Esse senhor estava no museu mais visitado da Itália, a Galeria degli Uffizi, na Sala Botticelli.
O derrame que ele teve reacendeu o debate sobre a Síndrome de Stendhal.
Para o diretor da galeria, Eike Schmidt, a arte tem esse efeito psicológico e físico sobre as pessoas, mas não somente. A música também.
O caso não foi o único. Nesse mesmo museu, um jovem sofreu um ataque epilético em frente à tela A Primavera, de Botticelli. Os funcionários relatam que isso só acontece diante das obras de arte mais famosas.
Também houve um caso de um homem que desmaiou em frente à Cabeça de Medusa, de Caravaggio.
Os especialistas recomendam que se recorra ao descanso. Quem sentir os sintomas da Síndrome de Stendhal, principalmente se for de fato um viajante, precisa parar de olhar a obra de arte, voltar ao hotel e descansar, relaxar a mente.
É preciso intercalar as imersões culturais para que o passeio não seja intenso demais. A respiração funda e controlada também é fundamental para o controle dos batimentos cardíacos.
Em 1996, a Síndrome de Stendhal virou um filme de terror.
Dario Argento, roteirista e diretor italiano, lançou La Sindrome di Stendhal, contando a história de um assassino em série que sequestra uma mulher exatamente no momento em que ela era acometida pelos sintomas de Stendhal em um museu de Florença.
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