O salário mínimo da Venezuela é um dos maiores sintomas da crise do país. Para comprar uma cesta básica, os venezuelanos precisam de 21 salários mínimos, aponta a ONG Centro de Documentação e Análise Social da Federação Venezuelana de Professores.
Entenda as causas para o salário mínimo da Venezuela ter caído tanto e como essa crise econômica afeta a vida de milhões de venezuelanos.
Segundo a cotação de junho de 2023, o atual salário mínimo da Venezuela é de 130 bolívares, o equivalente a 5 dólares e meio e a 27 reais.
Em 2022, a ditadura de Maduro tinha aumentado o salário mínimo para 29 dólares, mas a inflação de mais de 300% reduziu o valor do pagamento em 2023, aponta a ONG Centro de Difusão do Conhecimento Econômico (Cedice).
Em 2023, na Venezuela, são necessários 385,6 dólares para que uma família de 4 pessoas consiga sobreviver, aponta a ONG Centro de Documentação e Análise Social da Federação Venezuelana de Professores.
A redução do salário mínimo faz com que as famílias não consigam ter alimento suficiente para uma dieta adequada.
Em 2017, a Pesquisa sobre Condições de Vida (Encovi), realizada a partir da união das principais universidades da Venezuela, afirmou que a média de peso dos venezuelanos diminuiu 11 quilos. Uma das principais causas apontadas foi a falta de comida, já que a economia do país e o salário mínimo não conseguem suprir a demanda dos cidadãos.
Mesmo com o vale alimentação de US$ 40 e auxílio contra 'guerra econômica' de US$ 30 fornecido pelo governo, a população não satisfaz necessidades básicas de sobrevivência.
No dia 1º de maio de 2023, dia do trabalhador, venezuelanos protestaram em diversas cidades contra o baixo salário mínimo, noticiou a agência espanhola EFE.
"Nossos salários são uma ninharia. Ganho 460 bolívares por mês (cerca de 23 dólares), precisamos de um salário digno", disse Odalis Aguilar, uma professora de 50 anos que protestou na cidade de Maracay.
Pablo Zambrano, secretário executivo da Federação dos Trabalhadores da Saúde (Fetrasalud) e membro da Rede Sindical Venezuelana, disse à EFE que a política oficial, que ele considera como "salários precários", afeta "todas as cláusulas" dos contratos relacionados aos benefícios trabalhistas.
"Se não há salário, você não pode ter benefícios sociais (...) da mesma forma, não há pensões ou aposentadorias decentes, você não tem um contrato coletivo justo. Se não há salário, você não pode dar dignidade à sua família", disse o sindicalista.
O Escritório Nacional de Orçamento (Onapre na sigla em espanhol) reduziu a renda dos funcionários públicos entre 40% e 70% no final de 2022, afirmou o Instituto de Estudos Sindicais Avançados (Inaesin).
"O Onapre assumiu a incumbência de expedir instruções para o pagamento dos salários dos trabalhadores e, por interferirem nisso, têm violado a Constituição, as leis e os direitos trabalhistas, porque, ao serem aplicadas essas instruções, o salário dos trabalhadores vem diminuindo", diz Belkys Bolívar, membro do conselho nacional da Federação Venezuelana de Professores em entrevista à BBC.
Segundo Belkys, o Onapre diminuiu os benefícios previstos nos contratos coletivos dos servidores públicos e reduziu os valores dos bônus e prêmios neles previstos, uma das partes mais significativas do salário desses trabalhadores.
"Em março deste ano, quando foi dado um aumento salarial por meio do Executivo, eles decidiram baixar todos os nossos bônus que estão no acordo coletivo. Eles baixaram em 50%. Por exemplo, os prêmios de compensação acadêmica para professor que faz pós-graduação, mestrado ou doutorado, todos reduziram em 50%".
A instituição também destacou que os bônus de tempo de trabalho passaram de 60% para 30% do salário, e que o bônus geográfico, para quem trabalha no meio rural, passou de 25% para 10%, um decréscimo superior a 50%.
Essa política também afetou outros setores da administração pública. Segundo Pablo Zambrano, secretário-executivo da Federação Nacional dos Trabalhadores da Saúde (Fetrasalud, na sigla em espanhol), os funcionários da área sanitária da Venezuela também perderam mais de 50% do seu salário devido à aplicação dessa instrução do Onapre.
Segundo Belkys Bolívar, a lei estabelece que os bônus devem ser pagos levando em consideração o último salário recebido pelo trabalhador, porém, o governo fez o pagamento de 2023 com base no salário de dezembro de 2021.
"A diferença é notável. No meu caso, eles me pagaram 140 bolívares (R$ 102) e deveriam ter pago 2,4 mil bolívares (R$ 1,75 mil)", diz Bolívar.
"Por causa dessa arbitrariedade, foi então que começaram a surgir manifestações. O salário não é suficiente para viver. Então, voltamos a protestar e ficamos mais de 3 semanas protestando".
O venezuelano Rudy Jose Arzolar Olivero e sua família perderam um filho após ir ao lixão procurar itens de valor e comida para sanar a fome, prática comum dos habitantes da região segundo a BBC. Em entrevista para a emissora inglesa, Rudy disse:
“Depois de coletar lixo, vim para casa e meus filhos ficaram lá. Pouco depois, minha filha veio correndo e gritando: ‘Papai, acho que o Manuel está envenenado porque está no chão sem conseguir se mexer’”.
Após relatar a realidade dos venezuelanos que precisam de comer lixo para sobreviver, a equipe da Univision Notícias, rede de televisão dos Estados Unidos com programação em espanhol, foi detida no Palácio Miraflores, sede do governo de Nicolás Maduro, e receberam ordens para serem deportados.
Em 2021, a pesquisa da Encovi apontou que 94,5% dos venezuelanos vivem na pobreza, marca histórica para a Venezuela que já foi o país mais rico da América Latina na década de 80.
O que causou o colapso econômico do país que possui a maior jazida de petróleo do mundo?
Para Javier Corrales, professor de ciência política do Amherst College, os principais motivos da Venezuela ter quebrado são:
Autores como Carlos Alberto Montaner, Álvaro Vargas Llosa e Luis Oliveros concordam com Javier.
No livro Las raíces torcidas de América Latina, Carlos Alberto Montaner diz que políticas econômicas baseadas no estatismo e no controle governamental têm prejudicado o crescimento e a competitividade da economia da Venezuela.
Outro fator apontado pelo autor é a perseguição àqueles que não apoiam o socialismo bolivariano. Segundo Carlos Alberto e organizações como a ONU, o governo tem censurado, torturado e prendido seus opositores políticos.
A adesão ao comunismo e ao socialismo é tida como uma das causas da perseguição, já que o mesmo aconteceu em experiências socialistas/comunistas como em Cuba e na União Soviética, especialmente o salário mínimo ser tabelado pelo governo.
Os críticos do socialismo venezuelano apontam que Hugo Chávez, fundador do atual regime do país, seguia a doutrina de Karl Marx, fundador do comunismo.
Em 2006, Chávez disse:
"De 2007 a 2021 serão 14 anos para semear, aprofundaremos as raízes e estenderemos a revolução por todos os espaços para que a Venezuela seja uma República Socialista Bolivariana" (Fonte: G1.Globo.com).
O atual presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, trabalhava no governo de Chávez e ainda é membro do mesmo partido de seu antecessor, o Partido Socialista Unido da Venezuela. Segundo Maduro:
"Estamos empenhados em construir o socialismo do século XXI".
Na eleição presidencial de 2006, o Partido Comunista da Venezuela apoiou oficialmente a candidatura do então presidente Hugo Chávez. O candidato do Partido Comunista foi reeleito no primeiro turno, tendo obtido 62,8% dos votos segundo o sistema eleitoral do país.
O livro La nueva economía venezolana: Propuestas ante el colapso del socialismo rentista aponta que o governo de Hugo Chávez e Maduro gastaram de maneira irresponsável o dinheiro recebido com descobertas de petróleo, iniciadas em 2003 e encerradas em 2014.
José Toro Hardy, economista e ex-diretor da PDVSA, a estatal de petróleo da Venezuela, diz que as principais iniciativas que levaram o país a quebrar foram:
Alguns dos principais erros apontados pelos autores no uso do dinheiro é a tentativa de investir em um modo de produção socialista, condenado pelo economista Ludwig Von Mises. Para ele, o socialismo é intrinsecamente falho.
Segundo os autores apontados, o atual regime da Venezuela impediu que o mercado se regulasse conforme as necessidades orgânicas da população. Medidas como tabelamento de preços, estatização de empresas e impressão de dinheiro impedem que os bens e serviços sejam valorizados conforme a necessidade da população.
Segundo o historiador Daniel Neves Silva, uma das principais atitudes responsáveis por quebrar a democracia venezuelana foi a reforma jurídica feita pelo revolucionário Hugo Chávez.
O presidente aumentou o número de juízes de 20 para 32, tendo nomeado 12 defensores de seu governo. Segundo Daniel, Chávez perseguiu opositores e procurou perpetuar-se no poder por meio de reformas na Constituição.
Para outros estudiosos do assunto, a Venezuela não quebrou por causa do comunismo nem por conta do socialismo. O jornalista Ronni Pereira diz:
"Não se deve considerar a essência das instituições (governos e partidos) pelo que elas dizem ser ou pela consciência que as mesmas têm de si próprias, já dizia o mestre Perseu Abramo. É necessário analisar as ações e políticas da mesma e chegar a uma conclusão.
[...] Nunca houve abolição da propriedade privada na Venezuela e nem nenhuma das outras características da economia planificada. Apesar de Chávez ter nacionalizado muitas empresas privadas (não todas), ele fez isso com base na ideologia nacionalista, não para tomar os meios de produção da “burguesia”.
[...] Chávez e Maduro são na verdade líderes autocratas e populistas, não socialistas".
O jornal Left Voice (Voz da Esquerda) concorda com a tese. Em entrevista com Milton D’León, trabalhador marxista de Caracas e editor do site La Izquierda Diario Venezuela, o venezuelano afirmou:
"Na Venezuela não é o “socialismo” que fracassou e sim uma política que manteve o país dependente das receitas do petróleo, que garantiu os lucros dos banqueiros e empresários, enquanto o povo sofre com a fome.
O governo se baseou nas forças armadas, em um permanente estado de emergência que fica cada vez mais repressivo ao longo do tempo. A propriedade privada na Venezuela sempre foi defendida e, durante a bonança do petróleo, os capitalistas prosperaram.
Isto foi acompanhado por uma limitada distribuição de renda através de programas sociais, com base no boom do petróleo".
Para Edgardo Lander, sociólogo venezuelano, o socialismo bolivariano trouxe benefícios para seu país, não sendo culpado pela crise do país. Em um artigo publicado na Revista Movimento:
Nos anos de governo bolivariano se produziram elevados graus de politização, significativas transformações na cultura política popular, no tecido social e organizativo, assim como nas condições materiais de vida dos setores populares anteriormente excluídos.
Geraram-se amplamente sentidos de dignidade e inclusão, capacidade de incidir tanto sobre a vida própria como sobre o destino do país.
Mediante múltiplas políticas sociais (las misiones) dirigidas a diferentes setores da população, foram reduzidas muito significativamente os níveis de pobreza e de pobreza crítica.
De acordo com a CEPAL, o país chegou a ser, junto com o Uruguai, um dos países menos desiguais de toda a América Latina. A população ficou melhor alimentada. Realizaram-se efetivos programas de alfabetização".
Mesmo com diferentes pontos de vista sobre a causa, uma observação parece ser unânime: a Venezuela quebrou, tanto na esfera financeira quanto na esfera humanitária.
Em relatório divulgado em agosto de 2022, a ONU apontou que os serviços de inteligência da Venezuela cometeram crimes contra a humanidade sob ordens das esferas mais elevadas do governo para reprimir a oposição.
"Esse plano foi orquestrado no nível político mais alto, liderado pelo presidente Nicolás Maduro", ressaltou em entrevista coletiva Marta Valiñas, presidente da Missão Internacional Independente da ONU sobre a Venezuela.
"Nossas investigações e análises mostram que o Estado venezuelano usa os serviços de inteligência e seus agentes para reprimir a dissidência no país. Isso leva à prática de crimes graves e violações de direitos humanos, incluindo atos de tortura e violência sexual", denunciou Marta.
O relatório apontou que Maduro e pessoas de seu círculo próximo “participaram da seleção dos alvos”.
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