A invasão à Ucrânia colocou Pequim diante de um dilema: China e Rússia são aliados antigos, mas a associação ao conflito pode acarretar consequências. Os políticos chineses estão evitando até chamar a agressão militar russa de invasão, mas têm optado por termos evasivos como “operação russa” ou “situação atual”. O que está por trás disso?
“Tanto a Rússia quanto a China desejam criar uma posição de antagonismo em relação aos Estados Unidos e encontram nessa ambição uma posição em comum", diz Alexandre Uehara, coordenador acadêmico do Centro Brasileiro de Estudos de Negócios Internacionais da ESPM.
O presidente chines Xi Jinping não está disposto a unir forças com os americanos no conflito com a Ucrânia. Eles lembram que o governo em Pequim e o Partido Comunista rejeitam publicamente a democracia.
Por um lado, a China há tempos diz que os EUA e outras potências ocidentais tripudiam com frequência sobre outros países, como na invasão do Iraque em 2003.
Putin deu sinais nos últimos meses de que esperava da China alguma ajuda, algo como um apoio à invasão.
A abstenção chinesa em criticar abertamente Moscou, colocando parte da responsabilidade pela guerra sobre os EUA e a Otan, tem funcionado como uma espécie de apoio velado.
Para Vicente Ferraro Jr., cientista político e pesquisador do Laboratório de Estudos da Ásia da Universidade de São Paulo (USP), há também um componente ideológico envolvido na aproximação entre as duas potências:
"Ambas contestam em parte o liberalismo político e acusam o Ocidente de tentar 'exportar' seus modelos políticos, de maneira inapropriada, a outras sociedades e contextos culturais. O liberalismo político e, indiretamente, a democracia representativa são apresentados por ambas, não como valores universais, mas como construções do Ocidente instrumentalizadas para fins geopolíticos".
Há um fator econômico que faz a China adotar essa postura.
No dia 02 de março de 2022, Pequim se negou a impor sanções contra a Rússia e classificou as penalidades econômicas anunciadas pelos Estados Unidos e Europa como ilegais:
"Não aprovamos as sanções financeiras, especialmente as sanções lançadas unilateralmente, porque elas não funcionam bem e não têm fundamento legal.
Continuaremos a manter as trocas econômicas e comerciais normais com as partes relevantes", diz Guo Shuqing, presidente da Comissão Reguladora de Bancos e Seguros da China, em entrevista coletiva.
Com as severas sanções impostas à Moscou pelas potências ocidentais, a Rússia pode precisar da ajuda da China mais do que nunca como investidor e comprador de seus produtos como petróleo e trigo.
Antes da escalada de conflito na Ucrânia, a Rússia começou a intensificar suas relações com a China e a expandir seus laços comerciais.
O comércio total entre as potências saltou 35,9%, segundo dados da alfândega chinesa, e Moscou serve como uma importante fonte de petróleo, gás, carvão e commodities agrícolas para Pequim.
Os dados foram divulgados pela administração alfandegária chinesa e noticiados pela RT, uma rede de televisão financiada pela Rússia. Outros importantes valores anunciados foram:
O problema é: apesar da aproximação, a importância econômica da China para a Rússia ainda não é tão grande como a da União Europeia.
Um exemplo é o setor energético: a UE importa 200 bilhões de metros cúbicos de gás russo anualmente, e a China não importa nem mesmo 40 bilhões.
O comércio de bens entre China e Rússia também é inferior ao da Rússia com a União Europeia.
O comércio entre os países representa aproximadamente 150 bilhões de euros em circulação. Mas este valor está longe do que a Rússia consegue com os países da UE.
Com o avanço do conflito, as sanções à Rússia se intensificaram, o que será sentido na sua economia. Diante deste cenário, Moscou terá de buscar uma maior integração com a China.
Uma análise do instituto Merics de Berlim, aponta que a China provavelmente evitará criticar a Rússia e de fato deverá ajudar a amortecer os efeitos das sanções.
Mas, ao mesmo tempo, se esforçará para evitar prejudicar ainda mais suas relações com a UE e os EUA.
Algo cada vez mais difícil de reconciliar quanto mais a Guerra na Ucrânia avança.
"A China tem interesses econômicos gigantescos na Europa e tem que tomar cuidado para que seu apoio a Putin não fique tão óbvio a ponto de provocar reações negativas da França, Alemanha ou do continente em geral", diz o americano Bruce Jones, diretor do Projeto da Ordem Internacional e Estratégia do Think Tank Brookings Institution.
Ao todo, a China exportou cerca de US$ 420 bilhões (R$ 2,1 trilhões) em bens para a Europa em 2020, segundo a própria União Europeia (UE), e foi a principal fonte de origem das importações do bloco.
O montante só fica atrás do que foi comercializado pela potência chinesa para os Estados Unidos, que chegou a US$ 452 bilhões (R$ 2,2 trilhões).
Já o mercado chinês foi o terceiro principal destino das exportações europeias em 2020, responsável por 10,5% das exportações da UE.
O governo chinês teme que um apoio forte à operação militar russa possa desencorajar seus parceiros comerciais na Europa e América a expandir ainda mais os negócios.
Em apenas um cenário a China se posicionou na contramão do governo russo.
No dia 08 de março, o presidente Xi Jinping falou de forma direta sobre o confronto pela primeira vez e expressou uma posição mais solidária à Ucrânia.
Durante uma videoconferência com o presidente francês Emmanuel Macron e o chanceler alemão Olaf Scholz, o líder chinês pediu "contenção máxima" no conflito sobre a Ucrânia.
Durante a conversa, Xi Jinping declarou que estava "profundamente triste por acompanhar uma nova guerra no continente europeu", segundo a televisão estatal chinesa CCTV.
Ele disse ainda que "aprecia os esforços de França e Alemanha para atuar como mediadores na Ucrânia" e que Pequim também está disposto a desempenhar um papel ativo nas negociações.
"Devemos apoiar juntos as negociações de paz", afirmou Xi, que ainda disse que a China "está pronta para proporcionar ajuda humanitária à Ucrânia".
A Guerra Civil Chinesa, que se arrastava desde a década de 1920, retornou com força depois da Segunda Guerra Mundial. Os comunistas se fortaleceram, liderados por Mao Tsé-tung, o que levou os americanos a apoiar os nacionalistas, liderados por Chiang Kai-shek.
Em 1949, a vitória dos comunistas, conhecida como Revolução Chinesa, alarmou os americanos sob a possibilidade de que o comunismo fosse disseminado pelo continente asiático por meio da influência chinesa.
Na época da revolução, Stalin recebeu um telegrama assinado por Mao Tsé-Tung, líder do movimento, solicitando respostas em relação a dúvidas acerca da ideologia marxista. Stalin, o líder da URSS na época, respondeu aos questionamentos.
Ele e Mao trocaram muitos telegramas ideológicos neste momento. Stalin estava a par da existência de Mao Tsé-Tung, um guerrilheiro. Contudo, nunca achou que ele fosse conseguir tomar o poder.
Apesar disso, a China foi tomada pelo furor revolucionário e converteu-se em governo socialista.
Na 1ª metade da década de 1950, a consolidação do regime comunista de Mao Tsé-tung contou com importante ajuda da URSS. Os soviéticos prestaram assessoramento técnico, científico e financeiro.
A cooperação entre os dois países viria a mudar somente em 1953. A partir da morte de Josef Stalin, teve início o afastamento entre a China e a Rússia.
Somente no século XXI os dois países se reaproximaram. Em 2018, Xi Jinping, líder da China, condecorou o presidente russo Vladimir Putin com a primeira medalha da amizade da história chinesa.
A cerimônia de entrega foi no dia 08 de junho, o líder chinês declarou, na cerimônia de entrega, referindo-se a Putin: “Ele é meu melhor amigo, mais íntimo amigo”.
Desde então os países vem estreitando seus laços. Antes mesmo da invasão russa na Ucrânia se tornar realidade, uma possível aliança entre China e Rússia já vinha se desenhando.
Os líderes das duas potências se reuniram em Pequim em fevereiro de 2022 e deram mostras de proximidade.
O encontro aconteceu próximo às Olimpíadas de Inverno e foi marcado por declarações de apoio de Xi Jinping a Moscou e suas preocupações com a segurança nacional.
Em um comunicado divulgado após a reunião, os dois países afirmaram que "a amizade entre China e Rússia não tem limites, não há áreas 'proibidas' de cooperação" e que pretendem "combater a interferência de forças externas em assuntos internos de países soberanos".
Desde que Vladimir Putin reconheceu oficialmente a independência das províncias ucranianas de Donetsk e Luhansk e deu início à operação militar no país vizinho, as declarações de apoio da China tornaram-se mais discretas.
Tão logo começaram as agressões russas, o Conselho de Segurança da ONU foi convocado para intervir na questão. Uma moção de repúdio ao conflito foi convocada e a China absteve-se de votar.
A abstenção não pareceu surpreender especialistas. Ao mesmo tempo que o embaixador da China na ONU apela para o fim das tensões e o respeito às soberanias, ele não condena abertamente o conflito promovido pela Rússia.
Rússia e China são governos aliados, com ideologia política semelhante, de orientação comunista. Pretendem juntas impactar na ordem global que tendeu para as democracias liberais após a Guerra Fria.
No entanto, a China pode acarretar grandes danos à sua imagem solidarizando-se e ajudando a Rússia, um país agressor.
A frase do embaixador da China na ONU deixa bem claro esse dilema. Zhang Jun disse:
“Diante de cinco rodadas sucessivas de expansão da Otan, a legítima aspiração de segurança da Rússia deveria receber atenção. A Ucrânia deveria ser uma ponte entre o Oriente e o Ocidente, e não um posto avançado para o confronto entre as grandes potências”.
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