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Quem matou PC Farias? Conheça um dos casos mais graves da política brasileira

Política
Redação Brasil Paralelo

Paulo César Farias foi tesoureiro e coordenador da campanha de Fernando Collor de Mello, o primeiro presidente eleito desde a ditadura militar. PC não possuía um cargo público formal no governo Collor, mas atuava como principal conselheiro do presidente.

Em maio de 1992 começam a vir à tona denúncias de corrupção que apontavam PC Farias como o líder de um esquema de desvios de verba pública, um total estimado no valor de 1 bilhão de dólares. 

Nesse momento, PC começou a ser procurado pela Polícia Federal e pela Interpol. Imediatamente o tesoureiro fugiu do Brasil, deslocando-se por vários países com documentos falsos, passando-se por um príncipe árabe, em uma fuga digna de Hollywood.

PC acabou sendo preso, mas, após ser solto e ter agendado depoimentos sobre os esquemas de corrupção do governo Collor, Paulo César foi assassinado em sua própria casa. Desde então, uma questão ficou no ar: quem matou PC Farias?

  • Este artigo foi baseado no programa Investigação Paralela, série de investigações criminais exclusiva da Brasil Paralelo:

O que você vai encontrar neste artigo?

O que aconteceu com PC Farias?

Na madrugada do dia 23 de junho de 1996, em Guaxuma, no estado de Maceió, PC Farias e sua namorada, Suzana Marcolino, foram encontrados mortos a tiros em sua cama, na casa de veraneio do tesoureiro.

Na semana de seu assassinato, PC Farias iria depor em uma CPI. O tesoureiro entregaria os nomes dos empresários que alimentaram os esquemas corruptos de Fernando Collor de Mello.

Quem era Suzana Marcolino?

PC Farias e Suzana Marcolino - assassinato - investigação
Suzana Marcolino com PC Farias, seu namorado.

Suzana Marcolino era a namorada de Paulo César, não tendo chegado a ser esposa de PC Farias. Vivia do dinheiro do namorado. 

A moça estava contente com o relacionamento que havia sido oficializado há menos de um ano — dizia a toda sua família que, enfim, iria se casar com um homem rico. Suzana levava uma vida de princesa. Além do carro, ganhou jóias, roupas caras e uma generosa conta bancária.

Antes de ser assassinada, Suzana foi a locadora, e alugou uma fita VHS de um filme sobre um assassino que consegue escapar da lei.

Quem assassinou PC Farias?

O secretário de justiça e o delegado local declararam no mesmo dia que havia ocorrido um crime passional: um assassinato seguido de um suicídio. Suzana matou PC e depois tirou a própria vida.

Os investigadores afirmaram que o motivo seria ciúmes de Suzana, devido ao fato de PC estar determinado a romper o namoro. No mesmo dia, o irmão de PC, Augusto Farias, disse que estava satisfeito com as conclusões.

Documentos mostram que Suzana tinha comprado a arma do crime e praticado tiro dias antes do crime. Segundo o testemunho de um dos seguranças, Suzana e PC foram vistos brigando aos gritos na varanda da casa naquela madrugada.

Porém, mesmo com esses fatos, a família de Paulo César Farias ainda desconfiava de uma possível farsa, apenas Augusto Farias não via problemas na versão oficial. 

Ao longo daquele ano, muitas publicações de jornais e revistas contestavam a versão oficial, apontando controvérsias no laudo preliminar.

O clima de desconfiança logo contaminou a população brasileira, que pedia por novas investigações. Legistas e peritos começaram a reunir-se em todo o país para, de forma independente, coletar provas e apontar as contradições da investigação oficial.

Foi quando surgiu outra teoria sobre as mortes em Guaxuma.

Descoberta de farsas

Em abril de 1997, 10 meses depois da tragédia na casa de Guaxuma, o clamor popular por uma nova investigação recaiu sob o nome de George Sanguinetti. O legista, professor de medicina legal da Universidade de Alagoas, apresentou um dossiê no qual contestava o laudo oficial emitido por Badan Palhares.

Depois que Sanguinetti apresentou seu laudo, o Ministério Público reabriu as investigações. A polícia exumou os corpos e analisou as provas novamente, descobrindo as seguintes inconsistências do laudo oficial:

  • o tamanho de Suzana estava registrado com um erro de 10 cm, o que muda o cálculo da trajetória de tiro e, consequentemente, tornava impossível os fatos narrados na versão oficial;
  • a altura de Suzana indicava que ela estava em outra posição no momento de sua morte, uma posição de defesa;
  • a exumação dos corpos indicou que a mão de Suzana não tinha elementos químicos que ficam nas mãos de quem atira;
  • não havia vestígios de sangue ou impressões digitais no revólver.

Há ainda outro mistério naquela madrugada. Suzana usou seu celular pelo menos 3 vezes, às 3h54min, às 4h57min e às 5h01min da manhã. Ela deixou mensagens na caixa postal do dentista Fernando Colleoni, com quem teve duas consultas em Santo André, na grande São Paulo, na semana anterior à sua morte. 

Depois que soube das mortes, Fernando decidiu entregar à polícia as fitas da secretária eletrônica de seu celular. 

As 3 mensagens deixadas por Suzana levantam suspeitas. As principais transcrições dos áudios das gravações são:

Suzana: Fernando, é Suzana. Eu queria dizer para você que foi muito bom conhecer você e que não ia acreditar, sabia, que ia conhecer alguém igual a você, tão humano, profundo, tão lindo. Tenho certeza que vou lhe encontrar em algum lugar”.
Suzana: Fê, novamente eu queria dizer que todo esse tempo, um dia só, um momento pra lhe conhecer, mas eu amo você, eu nunca vou esquecer você. Espero um dia encontrar você, nem que seja na eternidade, em algum lugar do outro mundo. Eu encontro você, tenho certeza absoluta”.

Depois da última consulta, Suzana e Fernando saíram para jantar. Ela não comentou que namorava um dos homens mais controversos do Brasil. Diante dessa situação, surge a pergunta: por que ela mataria PC por se sentir rejeitada se ela já estava amando outro homem?

Os áudios chamam a atenção devido a um fato importante: no final da última ligação pode-se ouvir alguém batendo na porta, abrindo-a e depois falando com Suzana em tom de sussurro:

"O que você está fazendo? Depressa, se arruma, se arruma”.

As gravações foram analisadas por Ricardo Molina, perito em fonética forense, que identificou a voz do homem falando com Suzana. Considerando o tempo entre as mortes, PC já poderia estar morto durante as ligações. 

Quem era o terceiro elemento que conversou com Suzana poucas horas antes de ela morrer? O celular de Suzana sumiu da cena do crime e jamais foi encontrado.

Todos os investigadores que contestavam o laudo de Badan Palhares relataram ter sofrido ameaças. O promotor do caso, Luiz Vasconcelos, relatou as ameaças que recebia para que as novas investigações não fossem adiante. Ele disse:

"Chegaram à audácia de uma das ligações ser feita para mim numa reunião, com toda a cúpula da segurança do estado, dizendo que não fosse a frente, que arquivasse, que era o melhor que tinha a fazer, que me matariam”.

Caso semelhante ocorreu com George Sanguinetti: o legista sofreu inúmeras ameaças e foi afastado de suas funções na universidade de Alagoas. Passou a ser escoltado por sete seguranças armados.

“Recebi a proteção porque logo após eu dar a declaração tinham dois carros rondando a minha casa. Mesmo assim, nunca deixei de falar. Eu clamo por justiça todo o tempo”.

As revelações das investigações paralelas, junto às ameaças sofridas pelos peritos independentes, causavam a sensação de que havia quem se beneficiasse da versão oficial. Estas suspeitas tornaram-se mais fortes com as novas descobertas que surgiram.

Badan Palhares sempre defendeu a tese do assassinato seguido do suicídio. Quando apresentado às contradições de seu laudo, defendia veementemente todas as suas hipóteses, sem dar espaço às conclusões que surgiam com as novas investigações.

Denúncias de que seu laudo era falso e foi vendido para que a tese de crime passional fosse sustentada vieram à tona através de políticos e pessoas que acompanharam o caso.

Em 1999, a CPI do Narcotráfico foi criada para investigar roubos de carga e laudos periciais falsos para favorecer criminosos. 

O ex-governador de Alagoas, Geraldo Bulhões, disse à CPI que o legista Fortunato Badan Palhares recebeu R$ 400 mil de Augusto Farias para produzir um laudo falso, em 1996, sobre as mortes de Paulo César Farias e Suzana Marcolino.

Palhares movimentou um total de 2,7 milhões de reais, entre os anos de 1995 e 1999. Nesse período, seus rendimentos deveriam ser inferiores a 1 milhão de reais. O legista foi apontado pela comissão como suspeito de produzir laudos falsos para o crime organizado em troca de dinheiro — um dos laudos analisados pela CPI foi o das mortes de Paulo César Farias e Suzana Marcolino.

A CPI passou a investigar o caso PC por acreditar que Augusto Farias e possíveis “sócios” seus no crime organizado teriam planejado a morte de PC. George Sanguinetti afirmou que ouviu do ex-tenente coronel da polícia militar, Manoel Francisco Cavalcanti, que este foi contratado pelo deputado Augusto Farias para matá-lo.

Augusto Farias, irmão de PC Farias
Augusto Farias, irmão de PC Farias, foi deputado federal 4 vezes, tendo assumido o cargo 3 vezes após a morte do irmão.

Um dos investigadores do caso disse que o ex-tenente coronel, acusado de comandar um grupo de pistoleiros, contou-lhe a mesma versão sobre a suposta “encomenda “de Augusto Farias.

Baseado nos laudos que contestavam a versão oficial e nas investigações realizadas pela CPI, o promotor responsável pelo inquérito indiciou Augusto Farias como autor intelectual dos assassinatos de Suzana e PC Farias. 

Também foram indiciados os policiais responsáveis pela segurança de PC como autores e co-autores, pois estes teriam envolvimento com a morte do casal.

Havia 4 seguranças na propriedade de PC na noite das mortes. Todos afirmam não terem escutado os tiros, embora nos testes realizados, todos tivessem ouvido, inclusive a imprensa, que se encontrava do lado de fora da propriedade.

O promotor responsável pela reabertura do caso, Luiz Vasconcellos, comentou sobre o ocorrido:

“O Reinaldo [um dos seguranças da casa] teria confidenciado para o padrasto de Suzana que teria encontrado a Suzana ainda viva por volta das seis e pouco da manhã e que ela estava extremamente apavorada, nervosa, acuada num canto do quarto e que ele, ao entrar, viu PC morto, teria saído para fazer uma ligação, informando, segundo essas declarações, ao irmão de PC, Augusto Farias, de que ao retornar já tinha encontrado a cena, não sabia quem foi, só disse, segundo declarações da mãe e do padrasto, de que: “você sabe que eu gostava muito dela e que eu jamais faria isso”. 

Reinaldo sempre negou essa informação.

Fortuna de PC Farias e o esquema PC

PC Farias deixou uma fortuna de 400 milhões de dólares, segundo estimativa de Paulo Lacerda, delegado aposentado da Polícia Federal. Paulo Lacerda foi responsável por investigar o esquema PC e o dinheiro sujo do Collorgate.

O esquema PC foi a criação de um sistema de desvio de verba pública. PC Farias criou diversas contas bancárias para receber dinheiro do governo federal de forma ilícita, tentando disfarçar a rota das transferências. 

Conclusão do caso PC Farias 

Indiciado por encomendar o assassinato do irmão, Augusto Farias se utilizou do foro privilegiado por ser deputado federal. O irmão de PC teve seu processo arquivado pelo STF por falta de provas em 2002.

O processo contra os 4 seguranças ficou a cargo da justiça de Alagoas. Os acusados foram levados ao tribunal do júri em Maceió pelo duplo homicídio triplamente qualificado de Paulo César Farias e Suzana Marcolino.

Em maio de 2013, quase 18 anos depois das mortes, ocorria o júri popular. Os advogados dos seguranças, pagos por Augusto Farias, seguiram a tese de que Suzana havia matado PC e se suicidado.

A acusação se baseou nos laudos de Sanguinetti e nas investigações do Ministério Público. A intenção da promotoria foi provar que houve um terceiro elemento e que houve omissão por parte dos seguranças, pois estes tinham o dever legal de impedir o crime.

Ao final do julgamento, os jurados reconheceram que Paulo César Farias e Suzana Marcolino foram ambos de fato assassinados. Porém, decidiram também que os réus não deveriam ser punidos pelos crimes, sendo todos absolvidos por clemência.

No mesmo ano, o Ministério Público de Alagoas recorreu da sentença, alegando que houve quebra de incomunicabilidade entre os sete jurados e que uma das juradas havia sido ameaçada.

Em dezembro de 2018, por unanimidade, o Tribunal de Justiça de Alagoas negou o pedido, declarando o caso transitado em julgado. Em abril de 2019 foi determinado o cumprimento da sentença de absolvição.

O médico legista George Sanguinetti posteriormente teve atuação importante contestando conclusões em casos de repercussão, como o da morte da menina Isabella Nardoni e do goleiro Bruno, condenado pela morte de Eliza Samúdio.

Para o legista, o encerramento do caso da praia de Guaxuma deixa uma marca de impunidade para o país. O médico afirmou:

"Tudo foi controlado. O poder político em Alagoas sempre cuidou para que o caso ficasse sem solução, sem incomodar os autores materiais”.

A sentença que absolveu os policiais militares não soluciona o caso. Nunca se saberá quem matou PC Farias e Suzana Marcolino. Os segredos da Morsa do Amor, apelido de PC Farias, foram enterrados juntos com seu corpo.

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