A palavra milícia possui diferentes significados linguísticos e distintas manifestações históricas, contudo, devido a situação caótica da segurança pública do Brasil, um dos significados ganha destaque: os grupos paramilitares do Rio de Janeiro.
De acordo com o IBGE, 57% da cidade do Rio de Janeiro vive sob o domínio de organizações criminosas, sendo as milícias os principais representantes desse grupo. As facções milicianas possuem poder de vida ou morte sobre 2 milhões de cariocas.
Entenda o significado de milícia, suas variações ao longo da história e veja o poder das milícias cariocas.
No dicionário formal da língua portuguesa, a palavra miliciano significa vida ou carreira militar, e milícia significa um conjunto de tropas do exército. Porém, no sentido popular brasileiro, milícia e miliciano significam, respectivamente, um grupo de policiais e seus membros que atuam como mafiosos, como grupos paramilitares privados.
A etimologia da palavra indica os seguintes significados:
Na linguagem formal, sinônimos de milícia são: batalhão, tropa, hoste, exército, guarnição. Na linguagem popular, os sinônimos de milícia são: milicos, tropa, falange, “os homi”. A designação do nome milícia para diversos significados conduz a outras realidades.
É provável que as milícias existam desde muitos séculos atrás. São diversos os relatos de grupos de mercenários, revolucionários e grupos armados que atuavam na sociedade, como a revolução de Espártaco e a milícia do senador romano Catilina.
Nicolau Maquiavel tratou sobre o fenômeno das milícias no capítulo XII (título: "De quantas categorias são as milícias, e dos soldados mercenários") de sua principal obra: O Príncipe. Seus escritos mostram que existiam muitas milícias ativas no período do Renascimento na Europa. Muitos reis contratavam milicianos ao invés de mandar seu próprio povo para a guerra.
O autor também escreveu sobre milícias no capítulo XIII e XIV de sua obra, abordando, respecticamente, "Das milícias auxiliares, mistas e próprias" e "Os deveres do príncipe para com a milícia".
As milícias modernas receberam destaque em diversos estudos acadêmicos, como o estudo de Huseyn Aliyev em When and How Do Militias Disband?, especialmente porque muitas delas foram importantes para a formação de países, como os Estados Unidos, na Guerra de Secessão, e até mesmo se tornaram instituições formais dos novos governos, como no caso dos bolcheviques na Revolução Vermelha Russa, em 1917.
Nos Estados Unidos ganharam destaque os Minute Man, segundo John R. Galvin em The Minute Men – The First Fight: Myths and Realities of the American Revolution, e a The Hempstead Rifles, uma milícia formada pelo povo durante a Guerra Civil Americana do século XIX, narra Andrew S. Bledsoe, em Citizen-Officers: The Union and Confederate Volunteer Junior Officer Corps in the American Civil War.
A Alemanha nazista também teve sua própria milícia, a Volkssturm. Foi formada no final da II Guerra Mundial em uma tentativa desesperada de conter o avanço dos aliados, narra Hans Kissel no livro Der Deutsche Volkssturm 1944/45: Eine territoriale Miliz im Rahmen der Landesverteidung.
Essa milícia foi criada por Joseph Goebels, em 1944, através do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, não pelo exército alemão. Era formado por um grupo de civis despreparados que deveriam auxiliar o exército do país, já muito desgastado na época.
No oriente médio, existe a milícia cristã Brigada Babilônia, grupo paramilitar que luta contra o Estado Islâmico. Diferente dos milicianos brasileiros, o grupo recebe dinheiro do governo do Iraque para defender o país contra extremistas religiosos islâmicos.
Nos EUA, as milícias são aprovadas e incentivadas pela Constituição do país. Os pais fundadores da nação defenderam o direito dos cidadãos de se reunirem militarmente para autodefesa, especialmente para o possível caso dos governantes instaurarem uma ditadura.
O ex-capitão do Bope, Rodrigo Pimentel, explica com base em sua experiência o que são as milícias do Brasil, especialmente as da cidade do Rio de Janeiro.
Em entrevista a Brasil Paralelo, no documentário Entre Lobos, o militar diz que alguns policiais do Rio de Janeiro começaram a fazer seu trabalho de segurança pública fora da gerência do Estado.
O militar entrevistado e seus colegas do BOPE afirmam conhecer bem as atividades milicianas devido à forte atividade dos grupos no Rio. Rodrigo é especialista em segurança pública e foi o principal consultor para a elaboração do filme Tropa de Elite, sendo considerado o capitão Nascimento da vida real.
Segundo eles, as atividades milicianas começaram aproximadamente na década de 60, no bairro Rio das Pedras, na cidade do Rio de Janeiro. Estes grupos paramilitares vieram a ter relevância midiática apenas a partir dos anos 2000.
Segundo Rodrigo Pimentel, a intenção inicial era levar segurança aos lugares dominados pelo tráfico, agindo sem as limitações que o governo impõe aos seus agentes de segurança. Certas regiões da cidade do Rio de Janeiro são dominadas por traficantes muito bem armados, que conseguem impedir o acesso do Estado.
Atualmente, segundo o IBGE, 3,7 milhões de habitantes da cidade do Rio de Janeiro estão sob tutela do crime organizado, o que representa mais da metade dos moradores da cidade.
Os principais objetivos dos milicianos eram:
No documentário “Entre Lobos” da Brasil Paralelo, Rodrigo diz que em pouco tempo os milicianos abandonaram seus princípios morais. Os agentes de segurança privada invadiam as casas de quem não pagava a milícia e roubavam seus bens.
Recentemente, o Ministério Público do Rio de Janeiro apontou que houve uma união entre grupos de milícias privadas com pequenos grupos de traficantes, criando o fenômeno das narcomilícias.
O grupo ganhou muito poder em pouco tempo, tornando-se a maior organização criminosa da capital carioca.
O IBGE aponta que 2,7 milhões de cariocas estão sob o domínio dos narcomilicianos.
A diferença original entre milicianos e traficantes era simples: os milicianos cobravam para oferecer segurança; já os traficantes, por sua vez, vendiam drogas ilegais e dominavam territórios das favelas, tornando-se o governo desses locais.
Contudo, atualmente a diferença entre os dois grupos tornou-se inexistente ou complexa. A polícia civil do Rio de Janeiro e o Ministério Público da cidade apontam que as diferenças estão desaparecendo.
Embora existam grupos que mantenham as distinções originais, a narco milícia tornou-se o maior grupo de crime organizado da cidade, conforme apontado. Após a recente união dos grupos, os narco milicianos passaram a dominar 33% da população carioca.
A segunda maior facção criminosa do Rio de Janeiro é o Comando Vermelho. O grupo mantém o conceito original de traficantes, vendendo drogas e dominando partes da cidade. O IBGE afirma que aproximadamente 1,1 milhões de habitantes são regidos pelo grupo.
Os milicianos passaram a ganhar o gosto dos cidadãos do Rio de Janeiro. No início das ações milicianas, os paramilitares impediam que drogas e desordens sociais se manifestassem nos bairros que atuavam.
O modus operandi dos milicianos fez com que muitos cariocas aprovassem os grupos, existindo até mesmo matérias em jornais que exaltavam as atividades de milícia. Esse movimento fez com que milicianos entrassem na política e a influenciassem por dentro e por fora.
Nas atividades estritamente políticas, os milicianos conseguiram eleger seus membros e amigos dos grupos. A Comissão Parlamentar de Inquérito das Milícias, feita pela Assembleia do Rio de Janeiro em 2008, realizou 1.100 prisões por envolvimento com atividades criminosas milicianas, com destaque para as prisões do vereador Jerônimo Guimarães (PMDB) e do deputado estadual Natalino Guimarães (ex-DEM).
Nas atividades políticas em sentido lato, os milicianos decidiam quem poderia fazer propaganda política em seus bairros. Os milicianos também controlavam as narrativas políticas que se espalhariam pelas suas regiões, criando um curral eleitoral.
Em suas atividades ilegais, os milicianos passaram a praticar mais violência conforme a ganância aumentava. Relatos de vítimas e investigações da Polícia Civil e do Ministério Público do Rio de Janeiro mostram moradores de áreas sob influência das milícias que são forçados a pagar taxas, perdem casas e negócios, e vivem sob constante ameaça.
O conselho regional de Engenharia do Rio de Janeiro acusou os milicianos de impedirem fiscalizações de construções em seus bairros. Em 2019, dois prédios construídos de forma irregular desabaram, deixando 24 mortos. A suspeita é que os responsáveis pelos imóveis sejam ligados à milícia.
Em 2017, a Divisão de Homicídios da Baixada Fluminense prendeu vários membros de uma milícia que atuava em São João de Meriti, Duque de Caxias e Belford Roxo. O grupo paramilitar demonstrava seu poder também por meio de assassinatos.
A investigação começou depois que um jovem de 17 anos sobreviveu a uma tentativa de triplo homicídio, em março de 2016, em Belford Roxo – crime realizado por uma das milícias que se instalaram na região, segundo reportagem do G1.
A imagem das milícias começou a deteriorar perante a sociedade a partir de 2008, conforme reportagem do jornal EL País. Em 2008, um grupo de milicianos torturou 2 jornalistas e 1 motorista que estudavam as estruturas e ações do grupo.
Diante de tantas violências, o Congresso Nacional sancionou a lei nº 12.720, em 2012, que passou a considerar a organização de milícias como um crime específico. Antes da lei, os milicianos eram enquadrados na lei de organização criminosa.
O alto número de grupos milicianos levou a população do RJ ao uso de diversos sinônimos para descrever os criminosos e suas ações.
Milicianos estadunidenses andando na rua com seus rifles.
Dentro a diversidade de possibilidades que o termo apresenta, a milícia criminosa ganha destaque devido ao problema mais urgente do Brasil: a falta de segurança pública.
A cidade do Rio de Janeiro está dominada pelo crime. Um dos mais importantes pólos culturais, históricos e de destaque político-econômico já não pertence mais ao governo.
Cada vez mais a barbárie espalha-se pelo país, não apenas pela capital carioca. Dados do governo federal, emitidos a pedido da revista Metrópoles, demonstram que existem milícias criminosas em outros 15 estados do país.
No Brasil, a cada 10 minutos, 1 brasileiro é assassinado. De todos os homicídios, apenas 8% são resolvidos.
No Brasil, é comum o medo de ir até a esquina. De parar no semáforo. De atender o telefone. As casas possuem grades nas janelas, os condomínios possuem câmeras em cada região. Os lares replicam a estrutura de prisões.
Sente-se que a vida está em risco, todos os dias. Situações tristes são comuns, não importa qual seja a cidade, estado ou condição econômica.
A mãe que enterra seu filho mais novo. O pai, que é assaltado no trânsito voltando do trabalho. E o filho mais velho que não sabe se chegará da faculdade com seu celular e sua carteira.
Diversas políticas sobre segurança pública são instauradas no Brasil, mas o problema continua.
Para sanar a doença, é preciso primeiro realizar o diagnóstico.
Buscando trazer um panorama sério e profundo, sem usar a lente de ideologias políticas, a Brasil Paralelo lançou o documentário exclusivo: Entre Lobos.
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