Era uma vez, um tempo em que histórias fantásticas eram escritas apresentando a todos um mundo totalmente diferente, onde as leis da natureza estavam submetidas a leis mais profundas, antigas e mágicas. Nos mundos dos contos de fadas, animais falantes são a menor abstração. Ao estudar o que realmente são os contos de fadas, notamos ensinamentos que atravessam gerações.
Neles, existe uma sabedoria milenar que pode mudar a vida de quem tiver olhos perspicazes para captá-la. Seu desenvolvimento perpassa pelos mais belos salões aristocráticos europeus até os bosques mais escondidos do velho mundo.
Contos de fadas são histórias populares com origem no folclore oral de tempos remotos. São histórias curtas que se passam em um mundo belo e onírico, com personagens fantásticos, tais como fadas, elfos, magos, dragões, gnomos, anões e orcs.
Os contos de fadas não se passam em um tempo certo com lugares próprios e em um mundo particular. Seu diferencial é sempre estar cercado de mistério, possuir barreiras incertas, limites borrados.
Os reinos encantados onde se passam as histórias destes contos são indescritíveis. Possuem tanta variedade de seres, de mistérios, de povos e relacionamentos pessoais, quanto são as possibilidades humanas (e além).
Uma das suas principais características e propósitos é justamente apresentar os mistérios da vida, da realidade, cuja quantidade é imensurável.
Um exemplo disso é o universo de Senhor dos Anéis.
O autor destes contos, J. R. R. Tolkien, criou um universo com seres, povos, aventuras e realidades incontáveis. O autor chegou a criar verdadeiras línguas para este mundo.
E todo esse universo é uma condensação de muitos contos de fadas da antiga tradição europeia, em conjunto com elementos criados pelo autor.
Contudo, embora indescritíveis (como diz Tolkien em seu renomado ensaio Sobre Contos de Fadas), o universo do conto de fadas é altamente perceptível (o que leva a um de seus elementos mais importantes, que será abordado no último tópico deste artigo).
Eles acontecem em um mundo comum, muito semelhante ao real, e em grande parte com um forte relacionamento com o mundo natural, passando-se em bosques e florestas, com toda a vida nativa.
Por serem histórias sem tempo determinado, todos podem se identificar com o conto narrado, sendo justamente essa uma de suas principais propostas.
Os contos de fadas são essencialmente diferentes das fábulas e dos mitos.
As fábulas são feitas para transmitir uma lição moral, embora muitas vezes utilizem de elementos dos contos de fadas.
Já os mitos, ainda que se sirvam de histórias fantásticas, buscam explicar eventos reais, concretos, ou pelo menos descrevê-los de maneira fantástica.
A proposta dos contos de fadas é outra.
A primeira e mais imediata de suas finalidades é o entretenimento.
Conforme será explicado no tópico seguinte, os contos de fadas eram uma das formas de entretenimento mais amadas antes da criação dos meios de comunicação em massa.
Já a segunda e mais importante finalidade dos contos de fadas será explorada no tópico sobre o que está por trás dos contos de fadas.
Os contos de fadas, como são conhecidos no Brasil, tem suas origens na Europa. Eles procedem da longínqua tradição oral e começaram a ser escritos no século XVII.
Um dos principais fatores para que começassem a ser passados para o papel foram os encontros realizados pela aristocracia européia no século XVII.
Antes disso, eles eram histórias passadas de geração em geração pela tradição oral.
Cada região possuía seus próprios contos de fadas, sempre com as características de sua geografia e de sua cultura.
Muitos deles eram histórias baseadas em fatos reais.
No início do conto de João e Maria, narrado pelos irmãos Grimm, os autores escreveram que algumas crianças eram abandonadas nas florestas e passavam por vários perigos diferentes, inclusive bruxas canibais.
No século XVII, os encontros aristocráticos nos salões europeus passaram a se intensificar, crescendo cada vez mais o repertório de entretenimento presente nos eventos.
Os aristocratas se reuniam para escutar e tocar música, dançar, socializar e trocar histórias folclóricas regionais.
Para transmitir melhor essas histórias, os aristocratas começaram a ordenar que passassem a ser escritos.
Nesse período, não só os aristocratas, mas todas as pessoas não tinham meios fáceis de entretenimento.
Contar histórias fantásticas é um dos maiores entretenimentos desde os tempos mais antigos da humanidade.
Até antes da invenção do rádio, era comum que amigos se reunissem para ler uma história em conjunto.
As histórias fantásticas traziam grande gozo, assim como nos dias de hoje.
Contudo, um fato interessante é de que nesta época, grande parte dos contos de fadas eram voltados para adultos.
Eles não serviam apenas para divertir as crianças, mas também eram um dos mais importantes entretenimentos dos adultos.
Muitos contos de fadas continham acontecimentos terríveis, que não podem ser contados para crianças.
Um dos exemplos é o conto da Cinderela. Nas versões mais antigas conhecidas, as irmãs da futura princesa da Disney mutilavam seus pés para tentar usar a sapatilha de cristal.
Os contos germânicos compilados pelos irmãos Grimm, possuíam violência explícita e outros conteúdos adultos.
Aliás, foi das compilações dos irmãos Grimm, publicada no início do século XIX, que surgiu a famosa frase da abertura dos contos mais famosos: “Era uma vez…”.
A primeira coletânea de contos de fadas surgiu no século XVII, na França, organizada pelo poeta e advogado Charles Perrault.
As histórias recolhidas por Perrault tinham origem na tradição oral e até então não haviam sido documentadas. Oito contos foram narrados:
Os escritos de Perrault, assim como dos irmãos Grimm (que escreveram depois do francês), tinham o objetivo de estudar a língua local.
Eles estavam fazendo trabalhos acadêmicos para conhecer melhor sua língua e a tradição de seus povos.
Neste período, outra grande motivação na documentação de contos de fadas foi impulsionada pelo movimento social do romantismo.
O forte movimento europeu buscava se afastar da realidade urbana, muitas vezes opressora e desvirtuada, presente em muitas das cidades indústrias.
Dessa maneira, histórias fantásticas que envolvem o campo e sua beleza eram perfeitas para atingir seu objetivo de louvar um outro tipo de vida.
Grandes compilações de contos de fadas foram feitas no século XIX por autores românticos.
O que faz com que o ser humano, desde os tempos mais remotos, admire e transmita cada vez mais, histórias fantásticas?
O professor de literatura de Oxford, J. R. R. Tolkien, faz observações importantes em seu ensaio chamado Sobre Contos de Fadas.
Segundo o autor, a principal importância dos contos de fadas é revelar aspectos e belezas da vida, da realidade, e levar as pessoas a encontrarem e descobrirem o bem.
Ele afirma:
“A magia do Belo Reino não é um fim em si mesma, sua virtude reside em suas operações — entre elas está a satisfação de certos desejos humanos primordiais.
Um desses desejos é inspecionar as profundezas do espaço e do tempo. Outro é entrar em comunhão com outros seres vivos.
Assim, uma história poderá tratar da satisfação desses desejos com ou sem a interferência de máquinas ou de magia, e na medida em que tiver sucesso se avizinhará da qualidade de histórias de fadas e terá seu sabor.”.
Assim como nos contos de fadas, a magia existe na vida real.
A contemplação de uma figura heróica, as amizades fiéis e divertidas, uma paixão ardente, a necessidade de lutar contra o mal em si e no mundo exterior, tudo isso traz um encanto que precisa ser destacado, e é aí que entram os contos de fadas.
Devido a profundidade da vida humana e a incapacidade de observar tudo ao mesmo tempo, a percepção humana deve focar em uma coisa de cada vez.
Ao olhar para um corpo humano, não é possível estudá-lo totalmente de uma vez, mas é necessário em um momento conhecer como funciona sua química, depois a biologia e depois a física.
O mesmo se dá com as histórias.
Pela incapacidade de abordar todas as nuances da vida de uma vez, é necessário que existam histórias de comédia, histórias de suspense, histórias de romance e assim por diante.
Uma das principais funções dos contos de fadas é abordar a magia presente na vida.
Nessa perspectiva, os contos de fadas possuem a função de retratar aspectos da vida humana que são de difícil compreensão e de grande importância.
A vida humana possui inúmeros mistérios. Ainda hoje, pouco se compreende da mente humana e do DNA, por exemplo.
Os contos de fadas trazem aspectos da realidade que não conseguimos definir com exatidão, e outros que não conseguimos expressar.
Mesmo as grandes descobertas filosóficas feitas pela trindade dos filósofos gregos — Sócrates, Platão e Aristóteles — ainda é muito limitada.
Em seu livro A Educação Sentimental, o filósofo Julián Marías explica a relação das barreiras da inteligência humana e sua conexão com os contos de fadas e os mitos:
“Na tradição socrática, Platão interessou-se muito pela definição (horismós), e não se contenta com o nome da realidade que se esforça por conhecer.
[…]
A definição aponta o objeto investigado, mas não o define como ele é (hoîon esti). O logos, ou definição, não determina a ousía: circunscreve-a ou delimita.
Assim, o mito — o conto — não é um substituto da definição, mas algo superior a ela. Para Platão, o verdadeiro conhecimento é o mito — não o mito pré-filosófico, mas o que se extrai da definição e possibilita uma condensação da inesgotável realidade”.
Assim, uma história é a melhor maneira de compreendermos a realidade, pelo fato de a narrativa ser a substância da vida humana.
Caso os contos de fadas não possuíssem ligações com a realidade concreta humana, eles seriam totalmente rejeitados.
Todavia, o fato de histórias com meninos de madeira, animais falantes e mundos encantados serem extremamente famosos demonstra que há algo que os conecta com a realidade.
Um dos principais intelectuais que demonstram esse aspecto dos contos de fadas é o psicólogo canadense Jordan Peterson.
O psicólogo possui diversas análises que demonstram a existência de uma complexa realidade psicológica em várias das histórias fantásticas.
O vídeo abaixo traz uma de suas análises:
Tolkien também destaca um aspecto muito importante que está por trás do conto de fadas: a existência de um autor para cada história fantástica.
Neste ensaio, o autor d’O Senhor dos Anéis se refere pela primeira vez ao autor de uma obra de arte com o termo “subcriador”.
Ao abordar a capacidade imaginativa do ser humano pela linguagem, especialmente pelo uso do adjetivo, Tolkien diz:
“A mente humana, agraciada com os poderes da generalização e da abstração, vê não apenas grama-verde, discriminando-a de outras coisas (e achando-a bela de contemplar), mas vê que é verde assim como é grama.
Mas quão poderosa, quão estimulante para a própria faculdade que a produziu, foi a invenção do adjetivo: nenhum feitiço ou encantamento em Feéria é mais potente”
[…] Podemos pôr um verde mortal no rosto de um homem e produzir um horror; podemos fazer a rara e terrível lua azul brilhar; ou podemos fazer com que bosques vicejem com folhas prateadas ou que carneiros usem velos de ouro, e colocar fogo quente na barriga da serpente fria.
Mas em tal “fantasia”, como é chamada, nova forma é criada; Feéria começa; o Homem torna-se um sub-criador”.
Para Tolkien, perguntar qual a origem dos contos de fadas “[…] é perguntar qual é a origem da língua e da mente”, pois o mito busca resgatar os sentidos primordiais das palavras que se perderam na história. Assim, o mito é um modo de se compreender melhor a Verdade.
As histórias fantásticas servem para dar destaque em certos aspectos da vida que são mais místicos, de difícil compreensão, mas reais.
Ao discorrer sobre as crianças, Tolkien desmistifica a questão de que as histórias fantásticas são feitas especialmente para o universo infantil. Pelo contrário, elas foram criadas para todas as pessoas, sendo necessárias especialmente aos adultos.
Segundo o autor, com a modernidade, os contos de fadas foram relegados ao quarto das crianças, consideradas inferiores à razão em um mundo cientificista e tecnicista.
Após toda essa análise, Tolkien cria o conceito que para ele era o central dos mitos e dos contos de fadas: a eucatástrofe.
Ele define a eucatástrofe como:
“A forma verdadeira do conto de fadas, sua função mais elevada: a alegria do final feliz, ou mais corretamente, da boa catástrofe, da repentina virada jubilosa”.
Para Tolkien, a função mais importante dessas histórias é causar uma alegria da vitória final, um vislumbre da alegria para além das muralhas desse mundo.
Ele não nega a existência do pesar nem do fracasso, mas afirma que é na vitória final e na alegria que os contos causam que está o cerne da questão.
Isso satisfaz o homem e traz um vislumbre de seu desejo mais primordial.
Tolkien diz que o vislumbre da vitória final e da alegria perpétua é a principal finalidade de um conto de fadas.
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