Alguns políticos usam os bens do Estado como seu próprio patrimônio. O Patrimonialismo é uma herança herdada de Portugal e uma das maiores constantes da política brasileira, fruto de uma confusão de papéis na esfera pública e privada.
Além disso, é uma forma como o governo conduz a nação. Entenda o que seja Patrimonialismo.
O Patrimonialismo é a confusão entre o público e o privado, afirma Darcy Ribeiro em sua obra O Povo Brasileiro. Acontece quando um político trata o patrimônio público e sua administração como um bem privado, como algo próprio.
Alguns exemplos de Patrimonialismo são:
Porém, o conceito original cunhado pelo sociólogo Max Weber em sua obra Economia e Sociedade envolve uma complexidade maior. A origem do termo envolve a dinâmica do poder medieval, a relação de poder entre dominador e dominados.
O senhor medieval era dono de um território e de todas as atividades referentes a esse espaço.
Ou seja, o espaço onde se estabelecia e se organizava um governo, um Estado, era de fato patrimônio daquele senhor. O seu domínio se justificava a partir da posse de um bem.
O público e o privado eram um só nas mãos desse senhor.
As pessoas que habitavam as terras do senhor, sabiam trabalhar no campo, criar gado ou pastorear rebanhos, mas não tinham onde fazê-lo.
Assim, a relação estabelecida entre senhor e povo é a seguinte: o senhor fornece as terras para as pessoas tirarem seu sustento; em troca, o povo oferece sua mão de obra que também sustenta o dono da terra.
A relação entre povo e senhor transcende a questão financeira, afirma Raymundo Faoro na obra Os Donos Do Poder. O senhor deveria proteger seu povo, havia uma relação de confiança mútua, em alguns casos até de amizade e aconselhamento.
Portanto, o conceito de Patrimonialismo engloba diversas relações sociais, políticas e econômicas, todas misturadas e entrelaçadas em um único poder, que era exercido por um senhor que detinha um patrimônio que lhe permite deter o poder.
Portanto, o conceito de Patrimonialismo é a posse do exercício do poder em um Estado ou sociedade devido a um patrimônio pessoal que é, em geral, algum território. Dentro deste poder, há diversas relações envolvidas, de poder, de justiça, de amizade, de economia e aconselhamento.
Como dito anteriormente, a origem do Patrimonialismo, conceito desenvolvido por Max Weber, envolve a história medieval e os senhorios da Idade Média.
Na sociedade medieval havia um senhor dono de uma terra, dono de um determinado patrimônio. Dentro desse território as pessoas trabalhavam, moravam, formavam famílias, se relacionavam, sem que fossem proprietárias de qualquer espaço dentro destas terras.
Portanto, elas dependiam da concessão do senhor para viver naquele território, para aproveitar da proteção que o senhor oferecia e para se sustentar trabalhando a terra.
Portanto, há uma relação de trocas e interdependência entre as partes. A terra pertence ao senhor, ele as concede a seu povo, e cada um oferece o que pode e desempenha sua função no funcionamento dessa sociedade.
Em geral, pode-se resumir as funções das partes do seguinte modo:
O Patrimonialismo, portanto, em sua origem, era a política em que o público e o privado não se diferenciavam, eram realmente um só.
Com o advento do Estado moderno e dos reinos unificados, com um aparato burocrático e jurídico próprio, houve a separação entre a esfera pública e privada do poder. Porém, nem sempre aqueles que detinham o poder fizeram essa separação.
A definição de burocracia dada pelo dicionário é:
“1 sistema de execução da atividade pública, esp. da administração, por meio de um corpo complexo de funcionários lotados em órgãos, secretarias, departamentos etc., com cargos bem definidos, selecionados e treinados com base em qualificações técnicas e profissionais, os quais se pautam por um regulamento fixo, determinada rotina e uma hierarquia com linhas de autoridade e responsabilidade bem demarcadas, gozando de estabilidade no emprego
2 o corpo de funcionários que faz funcionar tal sistema; a classe dos burocratas”
Portanto, a burocracia é a organização de um sistema administrativo do Estado e de suas instituições, enquanto o patrimonialismo é a junção das esferas pública e privada no poder, diz Francis Fukuyama no livro Political Order and Political Decay.
“O patrimonialismo carrega a ideia de um Estado condutor e formador de um determinado tipo de sociedade que cada uma dessas ideologias estabelece como a sociedade ideal, a sociedade moderna e desejável. Então, de certa forma, a nossa sociedade não é produto de um processo histórico, ela é sempre essa elite que toma conta da estrutura de um Estado patrimonialista para encaminhar um projeto de construção da sociedade em ruptura com o passado”. Lucas Azambuja
O Patrimonialismo é uma forma de dominação tradicional no poder e carrega consigo a ideia de um Estado condutor e formador da sociedade. A partir dele, que é uma espécie de núcleo e cérebro formador, a sociedade é criada e estruturada.
Portanto, o Patrimonialismo impede o desenvolvimento orgânico da sociedade e abre espaço para que os detentores do poder apliquem seus planos e conduzam a sociedade, afirmavam Raymundo Faoro e Darcy Ribeiro, já mencionados.
Esta sempre foi a realidade brasileira: um grupo detém e domina o poder, e a partir de seus planos e interesses busca conduzir a sociedade e sua cultura.
Mesmo que para isso seja necessário romper com um passado comum do brasileiro e com suas tradições.
Na política brasileira, o patrimonialismo é uma constante que permanece atual e remonta ao período colonial.
Quando Portugal colonizou o Brasil, ele importou suas estruturas administrativas para o novo território, escreveu Sérgio Buarque de Holanda no livro Raízes do Brasil. O Patrimonialismo é uma marca característica dos Estados absolutistas da modernidade.
Para o rei, não havia distinção entre aquilo que eram suas posses pessoais e aquilo que era bem do Estado.
O tesouro real era o mesmo que o tesouro estatal; os funcionários públicos eram indicados pelo rei.
E este modelo foi importado de Portugal para o Brasil, que passou a fazer parte do Reino Unido de Portugal e Algarves.
Com a chegada da família real portuguesa no Brasil, em 1808, diversas mudanças foram feitas. O Brasil viveu momentos de euforia e prosperidade. D. João VI trouxe consigo o tesouro da Coroa Portuguesa. A quantia era equivalente a 220 milhões de libras esterlinas.
As novidades e os investimentos começaram a aparecer a uma velocidade sem precedentes.
Algumas mudanças foram:
Porém, o regente Dom João VI trouxe consigo de Portugal uma grande quantidade de membros da corte portuguesa.
Em geral, eram membros da aristocracia e estima-se que foi algo em torno de 15.000 pessoas.
A família real portuguesa, para se instalar no Rio de Janeiro e abrigar toda a corte, fez a população mais abastada que morava nas mansões da cidade cederem suas moradas.
Assim, Dom João VI, sua família e a corte portuguesa se instalaram no Rio de Janeiro, usando do poder público para interferir num bem privado das pessoas.
Quando o Brasil conquistou a independência capitaneado por Dom Pedro I, o Estado brasileiro foi elaborado herdando estruturas do Estado patrimonialista português.
Como por exemplo, o poder moderador que podia estar acima dos demais, os cargos vitalícios para senadores, a necessidade do imperador de aprovar determinados cargos.
A primeira ruptura desta lógica poderia ocorrer com a mudança da monarquia para a república. Todavia, não foi bem assim que as coisas se passaram.
Na república, há vários exemplos de Patrimonialismo, dos quais o caso mais famoso é o coronelismo e o voto de cabresto. Prática que basicamente tomou conta das eleições regionais no período da primeira república, afirma o historiador brasileiro José Murilo de Carvalho no livro Cidadania no Brasil.
Os grandes proprietários de terra buscavam conduzir as eleições locais com a influência que tinham sobre os eleitores.
Tais eleitores muitas vezes trabalhavam em suas fazendas, residiam em suas propriedades, ou mesmo trabalhavam para seus afilhados políticos cujas campanhas financiavam.
Aproveitando-se dessa relação de dependência, os coronéis obrigavam que os eleitores votassem em quem eles indicassem, com a ameaça de lhes tirar emprego, moradia ou qualquer outra coisa que lhes ameaçasse a sobrevivência.
Em casos mais extremos, os coronéis usavam da violência.
No período varguista, o patrimonialismo é percebido a partir da ação de um Estado extremamente paternalista que busca criar uma cultura nacional a partir dos seus estímulos e investimentos.
Vargas buscou acabar com as culturas regionais e qualquer sinal de regionalismo no Estado Novo. Houve, inclusive, uma cerimônia de queima das bandeiras de cada estado.
Estava proibido ostentar bandeiras e outros símbolos estaduais. Qualquer demonstração de regionalismo era uma afronta ao novo regime.
No contexto da formulação do novo Brasil, estava proibido o ensino de línguas estrangeiras. Esta prática era muito comum em locais de colonização alemã e italiana.
Mesmo em setores mais banais, como o futebol, o nacionalismo artificial e forçado passou a ser lei, razão pela qual o clube Palestra Itália passou a se chamar Palmeiras, por exemplo.
O samba só passou a ser cultura popular brasileira porque Vargas assim o estimulou largamente em seu governo.
Portanto, o Patrimonialismo no governo Vargas foi caracterizado por um Estado que buscava guiar sua população.
Um Estado que opera emitindo diretrizes que servem para conduzir o povo, na maioria dos casos não dialoga com a própria população na construção da política.
Uma das características marcantes do Patrimonialismo é justamente estabelecer uma distância entre dominantes e dominados.
E com a construção de Brasília não foi diferente. Não havia nenhum fator social nem dinâmica populacional natural que justificasse o empreendimento de uma cidade naquela região. A escolha da região foi resultado de um cálculo técnico de burocratas do Estado.
Toda a cidade foi planejada para atender uma demanda de poder, onde os representantes políticos ficam como que isolados em um espaço privilegiado e distante das dinâmicas sociais do restante do país.
Portanto, Brasília é fruto de um cálculo e de um planejamento estatal que afasta a política do povo governado, defende Adriano Gianturco, professor de Direito do IBMEC.
O Brasil desde o período da redemocratização pós governo militar de 1964 é um grande caso de Patrimonialismo na gestão da administração pública.
A lista de exemplos é imensa:
Ou seja, o Patrimonialismo, conforme demonstrado, é uma constante na história do Brasil. Apesar da constante alternância de partidos, de políticos e de projetos de poder, não há uma quebra dessa herança colonial portuguesa.
Há uma dinâmica complexa de elites que apenas alternam enquanto donas do poder. Os novos partidos quando chegam no poder, em vez de alterar o sistema, tornam-se parte dele e assumem a estrutura do establishment em favor próprio.
Alguns autores dedicaram obras para analisar os impactos do patrimonialismo no Brasil.
Raymundo Faoro em seu livro Os Donos do Poder tratou do fenômeno do Patrimonialismo no Brasil. Para Faoro, o quadro administrativo, centro de comando político e coordenação econômica, é denominado estamento burocrático.
Este estamento burocrático paira acima de todos os grupos sociais e comanda-os de cima para baixo. Ao mesmo tempo, o estamento absorve e coopta grupos sociais, que se apropriam dos recursos do estado patrimonial.
Com isso, ele assume uma forma plasticamente moldadora da sociedade à sua imagem e semelhança.
Para Florestan Fernandes, no processo de colonização houve uma tentativa de transplantação da estrutura política portuguesa para o Brasil, preservando e adaptando instituições chave da administração portuguesa para o novo território.
Na obra de Gilberto Freyre, o Patrimonialismo é uma das facetas da sociedade patriarcal. Na qual o poder do chefe da família mistura relações familiares, econômicas e políticas em um mesmo âmbito.
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