Em 1991, o governo federal aprovou a Lei Rouanet com a justificativa de aprimorar a cultura nacional. Desde então, começava um intenso debate no Brasil: para uns, a medida ajudava no desenvolvimento humano do país; para outros, a medida era mais uma maneira velada do governo desviar dinheiro e favorecer suas ideologias.
Entenda agora o que de fato é a Lei Rouanet e os principais argumentos favoráveis e contrários à legislação.
A Lei Federal de Incentivo à Cultura, mais conhecida como Lei Rouanet, é um incentivo fiscal do governo brasileiro para ajudar o setor cultural nacional. O projeto começou em 1991, no governo de Fernando Collor de Mello, e desde então nunca deixou de ser aplicado pelo governo brasileiro.
O nome Lei Rouanet foi adotado popularmente devido ao secretário de cultura que pensou no projeto durante o governo Collor, o diplomata e professor Sérgio Paulo Rouanet. Em entrevista a USP, Sérgio Rouanet falou sobre a intenção original do projeto:
"Partilho da opinião de que precisamos equilibrar grandes projetos patrocinados pelo setor empresarial com projetos alternativos, experimentais, que reflitam a diversidade cultural brasileira.
Lembro, aliás, que esses objetivos figuram entre os objetivos fundamentais do Pronac [órgão que a Lei Rouanet criou em seu 1º artigo para aplicar seus fins]. Acrescento que, segundo minha concepção original, o financiamento de tais projetos deveria ficar a cargo do Fundo Nacional de Cultura, constituído por recursos públicos, e não a cargo do mecenato.
Quanto à inclusão de instituições religiosas entre as beneficiárias da Lei de Cultura, acho essa ideia totalmente absurda".
Embora Sérgio Rouanet desejasse que o governo investisse dinheiro público em projetos culturais, a lei funciona de outra maneira.
A Lei Rouanet funciona através do incentivo fiscal, ou seja, quando o governo aprova um projeto, ele permite que as empresas apoiadoras consigam abatimento em impostos equivalentes aos gastos relacionados ao projeto.
Segundo o site da Secretaria Especial da Cultura:
Há duas formas de financiar um projeto [aprovado pela Lei Rouanet]: por meio de doação ou de patrocínio. A doação é um repasse sem retorno de imagem para o incentivador. É um apoio que resulta apenas da decisão de aplicar parcela do imposto de renda devido em um projeto cultural para o qual a pessoa ou empresa queira contribuir. O patrocínio é um repasse com retorno de imagem.
O Ministério da Cultura é o órgão responsável por decidir:
Para um projeto ser aprovado pela Lei Rouanet, é necessário que ele seja aprovado em diversas instâncias determinadas pelo Ministério da Cultura. Elas podem ser resumidas em:
O texto da lei permite a inscrição de qualquer tipo de "expressão cultural". Após a inscrição, o Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (Salic) analisa o projeto por meio de um especialista convidado.
Depois, o projeto recebe um veredito final da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC) para saber se seu projeto receberá apoio ou não.
A Comissão é composta por grupos artísticos, empresariado, sociedade civil e Estado. Se o projeto for aprovado, os responsáveis têm 12 meses para a execução. Depois de concluído, os responsáveis precisam prestar contas do projeto ao governo.
Após 2019, a Lei Rouanet foi alterada para aumentar o auxílio a pessoas carentes. Os projetos aprovados precisam distribuir de 20 a 40% dos ingressos da performance para pessoas de baixa renda.
Os projetos ainda precisam realizar ações formativas para até 500 pessoas carentes. Essa ação pode ser feita de diversas maneiras diferentes, como bolsas de estudo, ensaios abertos, estágios, cursos, palestras e oficinas.
Os projetos ainda têm limites de valores financeiros dos incentivos fiscais, eles são:
Os órgãos fiscalizadores e os critérios estipulados pela Lei Rouanet não foram suficientes para impedir abusos e polêmicas. Um dos principais escândalos foi descoberto pela Operação Boca Livre da Polícia Federal.
A BBC aponta que houve um desvio de R$ 180 milhões da Lei Rouanet segundo investigação da Polícia Federal de São Paulo. Foram cumpridos 14 mandados de prisão temporária e 37 mandados de busca e apreensão em São Paulo, Rio de Janeiro e no Distrito Federal.
As investigações envolvem suspeitas de irregularidades em vários projetos que obtiveram o benefício da renúncia fiscal - de shows com artistas famosos em festas fechadas e até uma festa de casamento beneficiada pelas isenções da Lei Rouanet.
Alguns dos artistas contratados pelas produtoras condenadas na Operação Boca Livre são:
Em 2016, a empresa Bellini Cultural recebeu a permissão do Ministério da Cultural para ter R$ 1,8 milhões abatidos de impostos para um teatro infantil e uma apresentação de música clássica para crianças carentes.
Contudo, o dinheiro arrecadado foi utilizado para a festa de casamento de um dos donos da empresa Bellini Cultural. A festa aconteceu em Jurerê Internacional, praia de Florianópolis considerada "a Ibiza brasileira", noticiou a revista Veja.
Os sócios e alguns dos colaboradores da empresa foram multados e sentenciados a anos de prisão, incluindo o casal de Florianópolis.
Em novembro de 2013, dois projetos envolvendo João Carlos Martins foram aprovados pelo Ministério da Cultura, totalizando um valor total de R$ 25,3 milhões.
A Folha de São Paulo ficou sabendo da aprovação e entrou em contato com o músico para saber maiores detalhes das apresentações. Foi nesse momento que o maestro descobriu que tinha sido aprovado para uma captação de recursos através da Lei Rouanet, a qual ele não havia solicitado.
João Carlos solicitou o cancelamento da captação de recursos junto ao órgão. Mais tarde, investigações mostraram que a empresa solicitante, Rannavi Projeto e Marketing Cultural, havia feito o pedido sem o consentimento do maestro.
A empresa também possuía dados controversos e não havia repassado documentos que comprovassem a sua relação com os projetos do maestro e com outros dois projetos solicitados ao Ministério da Cultura.
Rodrigo Gurgel, professor de literatura, Gerald Thomas, consagrado dramaturgo brasileiro e Ricardo da Costa, professor de História da Arte da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), apontaram alguns dos principais problemas da Lei Rouanet em entrevista a Brasil Paralelo. Alguns dos principais problemas apontados são:
Gerald Thomas aponta que os projetos que conseguem concessões da Lei Rouanet são quase sempre dos grupos ideológicos que compõem o governo. Segundo ele:
"É um problema gravíssimo as patotas que se criam em torno do Ministro da Cultura. Eu temo isso. Se você faz parte da turma você consegue [investimentos], se você não faz parte, você não consegue.
Eu já sou uma vaca velha. Eu já vi presidentes e futuros presidentes assinando documentos bêbados e drogados em festas na casa de artistas e produtores".
Gerald também afirmou que em sua época havia um monopólio dos recursos do Ministério da Cultura:
"Eu tive problemas imensos com Gilberto Gil [quando ele era Ministro da Cultura]. Nós já fomos próximos, eu até mesmo dirigi um teatro com as músicas dele com Gal Costa, mas ele se tornou meu inimigo não sei o porquê.
Tinha uma jornalista que cortava os artistas que Gilberto não queria patrocinar. Era algo sério".
Em 2005, Folha de São Paulo publicou uma matéria apresentando a crítica de outros dramaturgos com relação ao trabalho de Gilberto Gil. A matéria dizia:
"Em sabatina na Folha, o ator Paulo Autran afirmou que "ninguém da classe teatral sabe o que ele [Gilberto Gil] fez". Também em entrevista à Folha, seu colega, Marco Nanini, disse que Gil "nunca foi ao teatro, não gosta.
Gerald Thomas, que dirige Nanini em "Um Circo de Rins e Fígados", também critica o ministro: "Gil está matando a cultura teatral no Brasil por ser um total analfabeto no que diz respeito à infra-estrutura dramática: não sabe distinguir um intérprete de um dramaturgo; não sabe distinguir um autor dramático de ator".
Em entrevista a Brasil Paralelo, a pintora Lara Baruzzo reafirmou as críticas anteriores a atuação do Ministério da Cultura:
"No mercado internacional não existe essa centralidade de recursos para a cultura no governo federal. No Brasil, a cultura praticamente só funciona com investimentos federais. Diante desse quadro, virou comum que muitos artistas começassem a favorecer governos e ideologias que aumentam o poder de proteção do Estado".
Alguns projetos ideológicos foram apontados como evidências dessa realidade.
Em 2013, durante o governo de Dilma Rousseff, o Ministério da Cultura aprovou um abatimento fiscal de R$ 1,5 milhões para um documentário sobre a vida de José Dirceu, um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT).
O documentário narra a história de Dirceu desde a sua participação em guerrilhas comunistas até sua carreira política no governo Lula e sua condenação por corrupção em 2012.
A artista Maria Bethânia recebeu a permissão de R$ 1,3 milhões apenas para lançar um blog de poesias. A proposta de Bethânia era publicar um vídeo por dia lendo poesias. Após diversas críticas, a cantora desistiu de utilizar os fundos da Lei Rouanet.
Em 2006, ano de eleição federal, o Ministério da Cultura liberou R$ 1,8 milhões para um filme sobre a vida de Leonel Brizola, um dos principais militantes do PTB, partido de Getúlio Vargas.
Entre as empresas que apoiaram financeiramente o projeto estão as estatais Petrobras (R$ 592 mil), Eletrobras (R$ 300 mil) e Companhia Estadual de Energia Elétrica (R$ 50 mil).
Outra crítica feita à Lei Rouanet é a falta de investimento em artistas iniciantes ou sem grandes recursos. Segundo críticos de arte como Regis Tadeu, a Lei favorece artistas milionários e já consolidados:
"A Lei Rouanet poderia ser um instrumento perfeito para fomentar a carreira de artistas talentosos que precisam de dinheiro para iniciarem suas carreiras. A lei seria perfeita na Suécia ou na Suíça, mas no Brasil…".
Artistas já consagrados receberam milhões de reais em abatimentos de impostos pela Lei Rouanet. Alguns dos principais casos são:
A BBC noticiou que a Lei Rouanet funciona quase que exclusivamente para artistas ricos dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Segundo a matéria da emissora britânica, dos quase R$ 434 milhões dedicados às artes cênicas em 2015, R$ 182 milhões foram direcionados para iniciativas de São Paulo, enquanto o Rio recebeu cerca de R$ 100 milhões.
O Pará inteiro obteve apenas R$ 105 mil, o que equivale a 0,1% dos incentivos concedidos a propostas fluminenses.
Em lugares como Paraíba, Rondônia, Amazonas, Maranhão e Alagoas, o número de projetos aprovados não chega a dez, enquanto no Rio de Janeiro e em São Paulo esse número ultrapassa facilmente a marca dos 100 somente na área de artes cênicas.
Deputados brasileiros chegaram a argumentar que áreas e pessoas específicas são favorecidas nas aprovações do Ministério da Cultura. Em 2007, foi aprovada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar esse problema.
Segundo o então deputado Alberto Fraga (DEM - DF), um dos principais nomes que promoveram a CPI:
"Nos últimos anos, principalmente quando o PT estava no poder, apenas aqueles artistas rotulados como petistas é que estavam tendo acesso e direito a esses benefícios. Então, alguns artistas, como a cantora Cláudia Leite, pode pegar quase R$ 6 milhões dos cofres públicos para financiar o show; o Luan Santana, quase R$ 4,8 milhões; e por aí vai".
Após a CPI, o deputado Jorge Solla (PT-BA) afirmou:
"A concentração dos investimentos em artistas já consagrados na Região Sudeste é uma desvirtuação da lei, não é algo intencional dos gestores. É porque o formato em que a lei foi desenvolvida favorece a associação de marcas já conhecidas.
A marca da empresa que quer investir e a marca do artista que já tem um nome, já tem um espaço no mercado. Isso prejudica o objetivo principal da lei, eu diria até para o que ela foi principalmente construída, que é incentivar artistas e produções culturais que têm mais dificuldade de se colocar no mercado", disse à Agência Câmara de Notícias.
Em 2023, o governo Lula aumentou os valores da Lei Rouanet. Os valores tinham sido reduzidos no governo anterior, durante o mandato de Bolsonaro. O Ministério da Cultura aprovou uma medida para aumentar os investimentos da Lei Rouanet em quase R$ 1 bilhão.
A atual política brasileira irá focar em deixar de arrecadar impostos para investir em projetos da Lei Rouanet.
A Brasil Paralelo é uma empresa de entretenimento e educação cujo propósito é resgatar bons valores, ideias e sentimentos no coração de todos os brasileiros. Em sua história, a empresa já produziu documentários, filmes, programas e cursos sobre história, filosofia, economia, educação, política, artes e atualidades.
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