Entre as dez da noite de 3 de junho e o amanhecer do dia 4 de junho de 1989, o exército do Partido Comunista avançou em direção à Praça da Paz Celestial. Havia lá milhares cidadãos comuns, sobretudo estudantes, protestando contra o governo. Pediam um país com mais liberdade individual e menos corrupção estatal.
O exército não exitou: milhares de civis desarmados foram assassinados a sangue frio. Tanques de guerra cercaram a principal Praça da capital da China. Após o ocorrido, jornais foram manipulados para mudar o contexto das manifestações e amenizar a resposta do governo.
Esse episódio ficou conhecido como o Massacre da Praça da Paz Celestial (Tiananmen, em chinês). Segundo a Cruz Vermelha da China, mais de 2.600 pessoas foram assassinadas e 10.000 ficaram feridas, noticiou o jornal investigativo americano Frontline.
O caso foi decisivo para os EUA e a União Europeia barrarem o comércio de armas para a China até os dias de hoje.
Tudo começou devido a morte de Hu Yaobang, o político que queria dar mais liberdade para a população da China. Entenda agora o contexto do Massacre da Paz Celestial e os principais efeitos na comunidade internacional.
Em 1981, Hu Yaobang foi elevado à posição de presidente do Partido Comunista da China, tornando-se o líder do país.
Tendo sido elevado no partido por Deng Xiaoping, o político responsável pela abertura econômica da China, Hu era adepto de uma sociedade mais democrática. Suas ações buscavam deixar as finanças do governo mais transparentes e aumentar a liberdade individual.
Com o seu governo, os estudantes universitários passaram a entrar em contato com a cultura ocidental, gerando apreciação por uma sociedade com mais liberdade individual.
Hu Yaobang se opunha ao culto à personalidade de Mao Zedong, afirma a Enciclopédia Britânica. Afirmava que o modelo marxista proposto pelo ditador não seria aplicável à realidade moderna da China e que deveriam ser aplicadas medidas para aumentar a transparência do governo.
Com a abertura política de Deng Xiaoping e Hu YaYaobang, somadas à redemocratização das Filipinas em 1986, estudantes chineses acreditaram que era a hora de exigir a libertação da ditadura comunista na China, mostra a revista de Harvard.
A partir de dezembro de 1986, estudantes passaram a se manifestar pedindo mais democracia, transparência e justiça. Suas demandas concretas exigiam:
Os protestos começaram na Universidade de Ciência e Tecnologia da China (USTC) em Hefei, onde estudantes exigiram o direito de nomear seus próprios candidatos para o Congresso Popular Nacional, em vez de escolher de uma lista pré-selecionada pelo governo, mostra o livro Deng Xiaoping: A Revolutionary Life.
Fang Lizhi, um proeminente físico e intelectual que apoiava as reformas, influenciou muitos estudantes com suas palestras e discursos sobre a necessidade de democratização e reforma política. Fang também atuou como mediador entre os estudantes e o governo durante os protestos em Hefei.
Em cidades como Shanghai e Beijing, os estudantes realizaram grandes manifestações, algumas das quais atraíram até 30.000 participantes, descreveu Julia Kwong no artigo The 1986 Student Demonstrations in China: A Democratic Movement?.
Em Shanghai, após a intervenção policial em 19 de dezembro de 1986, os estudantes de Hefei realizaram uma manifestação de solidariedade, exigindo que o governo municipal de Hefei condenasse as ações do governo de Shanghai.
Porém, o governo não acatou nenhum pedido da população, piorando a repressão.
A primeira grande ação do governo foi forçar Hu Yaobang a renunciar como secretário-geral do Partido Comunista Chinês (PCC) em janeiro de 1987, afirma a Enciclopédia Britânica.
Ele foi acusado de permitir a "liberalização burguesa" e ser muito leniente com os estudantes e intelectuais que promoviam ideias reformistas.
Após a renúncia de Hu, o Partido Comunista iniciou uma campanha rigorosa contra as críticas ao governo.
As medidas visavam reafirmar a ideologia socialista e reprimir qualquer influência ocidental ou capitalista que pudesse ameaçar o controle do partido, mostram documentos da CIA (Agência Central de Inteligência).
Isso incluiu a intensificação da propaganda contra os ideais liberais e a censura de materiais que promoviam essas ideias.
Embora não tenha havido uma repressão violenta em larga escala como em 1989, muitos estudantes e líderes de protestos foram detidos e interrogados.
Alguns foram presos por períodos variados, e a vigilância sobre os estudantes e intelectuais foi intensificada, mostram documentos do governo dos EUA. Aqueles que eram considerados os mais influentes ou problemáticos enfrentaram punições severas.
Segundo documentos da CIA, a mídia que havia mostrado simpatia ou dado cobertura favorável aos protestos enfrentou censura e, em alguns casos, foi fechada.
O governo aumentou o controle sobre a imprensa para garantir que mensagens dissidentes não se espalhassem e que a narrativa oficial do partido fosse mantida.
Os mesmos documentos da CIA mostram que muitos líderes universitários que eram vistos como apoiadores das reformas ou que não conseguiram controlar os protestos em seus campus foram substituídos.
O governo implementou políticas mais rígidas nos meios universitários para garantir que a educação permanecesse sob firme controle ideológico do partido. Professores e administradores considerados liberais ou simpatizantes dos estudantes foram especialmente visados.
As medidas repressivas tomadas pelo governo após os protestos de 1986 ajudaram a estabelecer um precedente para a resposta ainda mais severa aos protestos de Tiananmen em 1989.
A campanha contra a liberalização burguesa solidificou o controle do Partido Comunista e reafirmou a necessidade de manter uma linha dura contra qualquer movimento que pudesse desafiar a autoridade do partido.
Essa repressão também teve um impacto duradouro nas universidades e no ambiente acadêmico na China, promovendo um clima de autocensura e medo entre intelectuais e estudantes.
A vigilância e o controle ideológico aumentaram, limitando o espaço para o debate e a dissidência, narra Lawrence R. Sullivan em sua obra publicada pela Universidade de Cambridge.
Em 1987, Hu Yaobang foi destituído pela alta cúpula do PCCh por supostamente não demonstrar firmeza em relação ao "liberalismo burguês", afirmação decorrente de uma postura considerada branda com relação às manifestações ocorridas no ano anterior.
Por conta de suas posições, muitos estudantes viam Hu como uma esperança para abertura democrática do país.
Quando o líder morreu, em 15 de abril de 1989, uma multidão de estudantes se dirigiu à praça central de Pequim, a Praça da Paz Celestial, para demonstrar sua simpatia pelo ex-dirigente.
O cortejo fúnebre logo se transformou em um protesto massivo que pedia por reformas democráticas e por medidas para combater a corrupção e aumentar a transparência do governo.
Em um primeiro momento, o movimento foi menosprezado pela liderança do PCCh, porém as manifestações continuaram e muitas pessoas da sociedade civil passaram a se unir aos estudantes.
Em 13 de maio, dois dias antes da visita do soviético Mikhail Gorbachev, mais de 400 estudantes começaram uma greve de fome, o que aumentou ainda mais a força do movimento.
Nos dias seguintes, os protestos aumentaram e continuaram a se espalhar por todo o país, com a maior concentração ocorrendo em frente à sede do poder chinês na Praça da Paz Celestial.
Conforme o movimento se expandia, o governo passava a usar a mídia oficial para espalhar a narrativa de que se tratava de um grupo radical contra-revolucionário e financiado pela burguesia internacional.
Com base nessa justificativa, o governo mobilizou 30 divisões do exército para a capital. A principal delas foi a 27ª, composta por soldados do norte do país, liderada pelo sobrinho do presidente Yang Shangkun.
No dia 3 de junho, o Partido deu a ordem para que o exército realizasse uma ação contra os manifestantes da Praça na madrugada do dia seguinte.
Durante a noite, o exército começou a marchar rumo ao centro da capital chinesa, equipados com munições de guerra e atirando contra manifestantes pacíficos. Os militares abriram caminho para os tanques de guerra passarem pela cidade e cercarem a praça.
A uma hora da manhã do dia 4 de junho de 1989, os manifestantes estavam cercados de soldados e veículos blindados. Uma hora depois, o exército abriu fogo contra os estudantes em um massacre que durou horas.
Milhares de pessoas foram presas, muitas mandadas para campos de reeducação no interior do país, e qualquer sinal mínimo de resistência era respondido com um tiro.
Segundo relatos do diplomata britânico Alan Donald, os militares atiraram nos civis e depois passaram por cima das vítimas com tanques, e os que sobreviveram foram mortos a golpes de baioneta.
Em seguida, os soldados utilizaram escavadeiras para empilhar os corpos para incinerá-los, jogando seus restos mortais no esgoto da cidade.
No dia seguinte, um jovem anônimo se colocou na frente de uma fileira de tanques e fez com que eles parassem, resultando em uma das fotos mais icônicas da história.
O número de mortos no conflito é desconhecido, as menores estimativas chegam a 300 pessoas, porém, fontes internacionais como a Cruz Vermelha afirmam que pode chegar a 10 mil.
Estima-se também que quase 100 mil pessoas foram presas, mas estes números dificilmente serão verificados, já que o governo chinês não deu muitas informações sobre o evento.
De acordo com a Anistia Internacional, o Partido Comunista Chinês nunca reconheceu o massacre, inclusive, a organização faz um grande esforço para apagar o ocorrido da memória chinesa.
Menções ao ocorrido na mídia chinesa são censuradas imediatamente e qualquer pessoa tentando falar sobre o evento é silenciada. Todos os anos, o governo reforça a segurança para evitar que qualquer ato referente à memória das vítimas do massacre possa ser realizado.
Em meio à tensão com o gigante asiático, o presidente de Taiwan, Lai Ching-te, afirmou que continuará lutando para preservar a memória da "repressão mortal" do governo chinês para defender a democracia.
O presidente complementou afirmando que:
"Isso nos lembra que a democracia e a liberdade não são fáceis de alcançar, por isso devemos responder à autocracia com liberdade, enfrentar a expansão do autoritarismo com coragem."
A China sofreu sanções de diversos lados após o massacre, incluindo potências ocidentais e instituições financeiras.
Países ocidentais, incluindo os Estados Unidos e membros da União Europeia, impuseram restrições à exportação de armas e a suspensão de intercâmbios militares e de alto nível, bem como o diálogo de cooperação nuclear, mostra o jornal POLITICO.
Um dia após o massacre da Praça da Paz Celestial, o presidente Bush disse:
"Durante os últimos dias, elementos do Exército Chinês têm suprimido brutalmente manifestações populares e pacíficas na China. Há violência generalizada e contínua, muitas vítimas e muitas mortes, e deploramos a decisão de usar a força. Agora, peço publicamente, como já fiz em canais privados, que a liderança chinesa evite a violência e retorne à sua política anterior de contenção."
Os Estados Unidos não podem aprovar o ataque violento e não podem ignorar as consequências para nossa relação com a China, que foi construída sobre uma base de amplo apoio do povo americano.
Este não é o momento para uma resposta emocional, mas para uma ação ponderada e cuidadosa que leve em consideração tanto nosso interesse de longo prazo quanto o reconhecimento de uma situação interna complexa na China."
O discurso de Bush sobre o massacre pode ser visto no vídeo abaixo:
Segundo o livro O impacto de Tiananmen na política externa da China, de Harry Harding, o Banco Mundial e outros bancos internacionais deixaram de realizar empréstimos à China.
Junto com os EUA e os países da União Europeia, os seguintes países emitiram restrições militares, diplomáticas e financeiras contra a China:
Países da América Latina condenaram os atos do governo chines e pediram reformas sociais no país sem emitir sanções concretas. Alguns deles foram o Brasil, Argentina, Chile e México.
As sanções e condenações não geraram os efeitos esperados: a China conseguiu se recuperar e seguir um caminho de rápido crescimento econômico e estabilização política.
Em 1992, o presidente Deng Xiaoping lançou a "Turnê pelo Sul”, promovendo vigorosamente a abertura econômica e a reforma do mercado. As medidas atraíram investimentos estrangeiros e impulsionou o crescimento econômico, mostra o instituto Wilson Center.
O estabelecimento e a expansão de Zonas Econômicas Especiais (ZEEs) em locais como Shenzhen continuaram a atrair investimento estrangeiro direto (IED) e a promover a industrialização e a exportação.
Com a mão de obra barata e a quantidade de recursos naturais, a China se tornou um dos focos de potências internacionais como empresas dos EUA, Japão e Alemanha.
A adesão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001 foi um marco significativo neste processo, desenvolvendo ainda mais os investimentos no país.
Para crescer ainda mais no cenário internacional, a China passou a investir nas relações com países emergentes do hemisfério sul. Devido a seu desenvolvimento econômico, o governo chinês ganhou liderança nas negociações políticas e diplomáticas em órgãos como o BRICS e o Cooperação Sul-Sul.
Com as novas políticas, a China conseguiu escapar das consequências negativas do Massacre da Praça da Paz Celestial, tornando-se um dos países mais importantes do Conselho de Segurança da ONU e dos acordos econômicos internacionais.
Compreender a China e sua história recente é essencial para entender a geopolítica moderna e suas consequências na vida particular.
A China vem se tornando cada vez mais influente em outros países, especialmente no Brasil:
Ao entender essa história, você dará um importante passo para compreender o mundo atual. Por isso, a Brasil Paralelo foi atrás dos principais especialistas no assunto para entender a história da República Popular da China.
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