Mary Wollstonecraft é considerada a primeira pensadora feminista da história. Escritora, filósofa e pioneira pelo ativismo das mulheres, ela chegou a enfrentar pensadores consagrados de seu tempo. Conheça sua biografia, suas ideias e sua importância para o movimento feminista.
Em 1759, nasceu Mary Wollstonecraft, em Spitalfields, no interior da Inglaterra. Era a segunda filha de um casal que tinha sete outros. Nasceu em berço abastado, mas seu pai gastou a fortuna familiar em jogos, apostas e bebidas.
Mary Wollstonecraft vivenciou a falência financeira de sua família causada pelo pai. Além das despesas excessivas, o alcoolismo tornava-o violento. Por vezes, ele agredia a esposa e as filhas.
Em muitas situações, Mary protegeu a mãe e as irmãs tentando impedir as agressões do pai.
Para se sustentar e não depender da família, Mary trabalhou como governanta em casas de famílias abastadas. Grande parte de suas ideias são frutos de observações das mulheres nas casas onde trabalhou e dos problemas vivenciados com o pai.
Devido a essas experiências, publicou os romances:
Incomodada com a falta de opções de carreiras para mulheres no campo, Wollstonecraft mudou-se para Londres. Lá ela aprendeu de forma autodidata a falar alemão e francês, e passou a trabalhar como tradutora e resenhista no periódico Analytical Review, de Joseph Johnson.
Começou a frequentar jantares na casa do novo chefe, onde entrou em contato com iluministas como o político Thomas Paine, o filósofo William Godwin e o artista Henry Fuseli. Ali, debatia sobre política, literatura e, principalmente, sobre a Revolução Francesa.
Wollstonecraft tornou-se defensora ferrenha da igualdade, da liberdade e da fraternidade, conceitos que surgiram na França revolucionária.
Em 1790, rebateu as críticas feitas à Revolução Francesa pelo conservador Edmund Burke. Publicou anonimamente o artigo intitulado “A reivindicação dos direitos dos homens”, o texto defendia a revolução como uma chance de obter virtude e felicidade.
Publicou uma segunda edição e dessa vez assinou. Desse modo, seu nome tornou-se mais famoso em Londres.
Em seguida, mudou-se para a França, onde dois anos mais tarde publicou sua obra mais famosa: “Reivindicação dos direitos da mulher''.
Mary Wollstonecraft, considerada a primeira feminista da história, escreveu “Uma reivindicação pelos direitos da mulher” como uma forma de contestar vários pensadores de sua época, inclusive iluministas, por entender que estes ignoravam o problema das mulheres.
Em alguns pontos, Mary é como as feministas de hoje, pois defendeu pautas semelhantes. Em outros, é completamente diferente.
Por exemplo, há uma crítica de Mary Wollstonecraft às mulheres e aos movimentos femininos que é incompatível com o movimento feminista de hoje: ela criticava mulheres que se comportavam como homens, às quais chamava de mulheres masculinizadas.
Mary também defendia a maternidade e chegava a defender, em alguns pontos, a modéstia e a castidade.
Acreditava que todos os problemas da humanidade e os problemas morais dos homens poderiam ser solucionados com a razão, com a ciência e com a educação. Assim também pensavam os iluministas.
Suas principais ideias são:
Cada um destes pontos será explicado.
Mary acreditava que as mulheres eram privilegiadas, uma ideia diferente do que é defendido pelas feministas de hoje. Atualmente, as feministas afirmam que as mulheres são oprimidas pela sociedade e pela cultura. Mary Wollstonecraft porém não defendia isso.
Como primeira feminista, vivendo nos anos 1700, Wollstonecraft entendia que as mulheres eram socialmente privilegiadas. Ela escreveu:
“As mulheres às vezes se vangloriam de sua fraqueza, ganhando poder de modo astuto ao jogar com a fraqueza dos homens. E elas podem louvar sua influência ilícita, porque, como paxás turcos, têm mais poder do que seus senhores, mas a virtude é sacrificada às satisfações temporárias, e a respeitabilidade da vida, ao triunfo de uma honra. As mulheres, como déspotas, talvez tenham agora mais poder do que teriam se o mundo fosse governado por leis deduzidas do exercício da razão”. Reivindicações dos Direitos das Mulheres, Mary Wollstonecraft
Mary reclamava que as mulheres da sua época eram fúteis, que só pensavam em cabelo, moda, vestido e sapato, que só gostavam dessas futilidades, de fofoca e não se ocupavam de assuntos sérios como a república, a filosofia ou o combate político.
Mary reclamava inúmeras vezes de que as mulheres eram muito privilegiadas, pois, por exemplo, não precisavam trabalhar tanto quanto os homens e mesmo assim recebiam as vantagens de ter o que comer e de ter onde morar.
Mary contestava o duplo padrão moral. Esse conceito é a ideia de que para as mulheres é mal visto relacionar-se com vários homens, enquanto o contrário nem sempre é verdadeiro, pois para os homens há uma certa normalidade.
É como a indagação popularmente feita: “Por que um homem que vai para o carnaval e fica com todas as mulheres é um garanhão e uma mulher que vai para o carnaval e fica com todos os homens é uma vagabunda?”
Mary era contrária a essa moral burguesa que aliviava tal comportamento para os homens. Ela acreditava que homens e mulheres deveriam ser julgados pelo mesmo padrão moral.
Para Mary, homens e mulheres não são diferentes socialmente, nem em questão de preferências, a não ser por questões culturais e históricas. Exatamente como o movimento feminista prega hoje.
De acordo com essa concepção, se os homens e as mulheres fossem educados para ser iguais, seriam iguais.
Se as meninas gostam de bonecas e os meninos de carrinhos, é devido a uma construção social. Se homens e mulheres se comportam de formas diferentes, é tudo resultado de uma construção social.
Neste ponto, o movimento feminista começa a negar a influência biológica, psicológica, hormonal, pois tudo é uma construção cultural e por isso deve ser derrubada. Mary Wollstonecraft também acreditava nisso.
Para Ana Campagnolo, deputada estadual e professora do curso A História do Feminismo:
“Mary não suportava a futilidade feminina, ela acreditava que se houvesse uma drástica mudança no que se exige das mulheres no plano educacional, então nós poderíamos saber, com clareza, quais são as tendências naturais da mulher e quais lhe são impostas”.
Mary defendia que, se as mulheres são fúteis e ficam o dia todo falando sobre cabelo e vestido, é porque não receberam uma educação igual à dos homens.
Este pensamento carrega duas premissas:
A autora defende que a maneira ideal de igualar a formação de homens e mulheres é colocar a educação das crianças sob o cuidado do Estado.
No curso Uma Breve História do Feminismo a professora Ana Campagnolo diz:
“Como iluminista confessa que era, Mary acreditava que a salvação da humanidade aconteceria através da educação. Ela afirmou que os homens e as mulheres da sua época eram incapazes de criar os próprios filhos, mas parecia esquecer-se de que o Estado é composto por esses mesmos homens. Em que se baseava para afirmar que os pais que trabalhavam para o Estado eram mais aptos do que os pais que trabalhavam pelos seus próprios filhos na educação dos mesmos? A idolatria da razão, característica deste período, ajuda a entender este pensamento. Imaginavam eles que tanto o conhecimento quanto a virtude eram aprimorados pelos emprego do racionalismo, o que colocava a devolução religiosa da família em descrédito diante do que poderiam oferecer os pensadores iluministas”.
No seu livro, Mary escreveu conselhos para as mulheres. Segundo ela, as mulheres deveriam controlar suas paixões e escolher homens melhores, viver um casamento decente e adequado.
No entanto, quando se casou, fez tudo ao contrário do que pregava.
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O feminismo tem duas faces. Uma é aparente e bonita, é a face da igualdade, da não-violência, da empatia, do respeito e da sororidade. Esse é o lado que está na luz, que querem que você veja.
Mas o feminismo tem duas faces. E a outra face é oculta.
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Os dois maridos que Mary Wollstonecraft teve defendem pautas de libertação sexual. Ela escreveu um livro dizendo às mulheres que deveriam se autocontrolar, se autogerir, ser virtuosas e racionais.
Depois, acabou se envolvendo com homens de moral completamente avessa ao que ela defendia.
A primeira pessoa por quem Mary se apaixonou foi Gilbert Imlay. Ele era um executivo norte-americano que viajava pelo mundo, defensor do fim do casamento e do fim da monogamia.
Imlay defendia todo tipo de amor livre. Ele chegou a publicar um livro chamado The Emigrants (1973), uma espécie de tratado de defesa do divórcio e da libidinagem generalizada.
Imlay, assim que soube que engravidou Mary, fugiu e abandonou-a. Depois de um tempo, ela descobriu que Imlay tinha uma segunda mulher.
Enquanto estava nessa situação de desamparo, Mary percebeu que precisava de um marido para ajudá-la a sustentar a criança.
Mary procurou novamente Gilbert Imlay e chegou a propor que este fosse marido das duas mulheres, pois queria ajuda e suporte para criar a filha. Ele, contudo, não quis.
Desolada com a recusa, Mary Wollstonecraft, tentou suicidar-se no rio Tâmisa. Ela acabou sobrevivendo com a ajuda de um homem que passava e viu o ocorrido.
Depois, Mary reencontrou William Godwin. Godwin era um ex-pastor calvinista que abandonou o ministério, a fé e a igreja, tornando-se um cético, um ateu convicto, anti-Igreja e anti-religião.
Novamente, Mary se envolve com um homem anti-casamento. Ela foi conviver com ele e acabou engravidando. Os dois se casaram na igreja. Ana Campagnolo trata do controverso episódio em seu livro Feminismo. Perversão e Subversão:
“Mary contraiu matrimônio com William Godwin, que, aliás, também é considerado um dos precursores do pensamento anarquista. Criticados e questionados por suas reputações libertinas não condizerem com a oficialização do casamento, os noivos se justificaram: o casamento foi o meio legal que encontraram para proteger financeiramente tanto Mary quanto o bebê que nasceria”.
O casamento de Mary Wollstonecraft e Godwin acaba muito cedo. Em 1794, aos 38 anos, devido a complicações no momento do parto, Mary Wollstonecraft faleceu.
Sua filha, Mary Shelley, recebeu o nome da mãe. Ela depois eternizou-se como a autora do célebre personagem Frankenstein.
Mary Wollstonecraft, conforme foi dito anteriormente no artigo, defendeu assiduamente a Revolução Francesa. Ela acreditava nas ideias de liberdade, igualdade e fraternidade, e chegou inclusive a rebater as críticas de Edmund Burke à revolução.
Uma vez que a Revolução Francesa fracassou, os nomes que a defenderam acabaram por cair em descrédito. Gilbert Imlay, Mary Wollstonecraft e William Godwin ficaram desmoralizados ante a intelectualidade inglesa.
Quando se iniciou o período napoleônico na França, a Inglaterra manteve sua política e sua cultura conservadora e tradicional.
Assim, ingleses como Mary e William passaram a ser desprezados, pois ninguém os considerava intelectuais sérios. Esta é a razão pela qual o livro de Mary Wollstonecraft chegou a ser esquecido e desprezado por muito tempo.
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