Será possível que ainda nos dias atuais os índios estejam matando crianças? Algumas tribos, no passado, sacrificavam bebês para manter a estabilidade da tribo. Os motivos variam e causam espanto. Mais do que isso, o que surpreende é saber que o infanticídio indígena ainda acontece.
O filme Cortina de Fumaça aborda o problema que os pais indígenas vivem quando têm filhos que não são desejados por suas tribos. Na produção, indígenas sobreviventes dão seus testemunhos.
O infanticídio indígena consiste na prática do homicídio de crianças recém-nascidas nas tribos. Algumas vezes, as crianças mortas chegam a completar um ano ou mais. São abandonadas no mato, enterradas vivas ou têm seu corpinho queimado. Isso acontece quando nascem gêmeos, filhos de mães solteiras ou crianças indígenas com deficiência.
A prática do infanticídio indígena ainda é identificada em cerca de 18 etnias brasileiras, dentre as 305 que são reconhecidas. Por ser uma tradição milenar, é difícil traçar-lhe as origens.
As causas mais comuns do infanticídio indígena são:
Um exemplo é a comunidade dos Tapirapé. Os nativos acreditavam que era necessário manter a população em cerca de mil habitantes para não prejudicar o ecossistema.
Nessa tribo, sempre que uma família recebia o quarto filho, ele era sacrificado para evitar o excessivo crescimento populacional.
Os motivos, como apontam os indígenas que já se abriram sobre o tema, é que as crianças defeituosas podem prejudicar a preservação da cultura ou oferecer riscos à tribo.
Em muitos casos as mães desejam o filho, mas sofrem com a pressão dos outros membros da comunidade para “se livrar do problema”. Veja o depoimento do índio Paltu Kamayurá que relata o caso vivido por uma mãe:
“Poxa, o pessoal enterrou nosso filho, agora nós só estamos com um. É muito triste, a gente não consegue esquecer”
As deficiências físicas ou mentais são vistos como um problema para a comunidade. Desde atrofia muscular à lábio leporino, o nascituro pode estar sujeito a ser abandonado na floresta, a ser queimado ou enterrado vivo.
A invalidez é sinal de que o índio é incapaz de contribuir para a proteção e o sustento da comunidade. Consequentemente, sua doença é vista como um potencial risco para os demais membros.
Muitas vezes, bebês saudáveis são vítimas do infanticídio por serem filhos ilegítimos de mães solteiras, de relacionamentos incestuosos, ou até bebês gêmeos que em muitas culturas são sinais de maldição.
Todas essas questões excluem o índio da comunidade. Muitos têm de fugir para manter os filhos vivos.
A prática do homicídio da criança é um tabu também para os membros das tribos que o praticam.
A mãe, ao se aproximar do momento do parto, distancia-se de sua comunidade e, na solidão da floresta, tem a árdua tarefa de dar à luz um filho sozinha.
Quando retorna, caso esteja com a criança nos braços e a amamente significa que aquele é um filho legítimo e saudável que pode ingressar na comunidade.
Caso retorne de mãos vazias, os outros adotam uma postura de silêncio.
É um momento da mulher, a escolha é pessoal e o segredo é guardado, independentemente do feito.
No entanto, há casos em que a família deseja manter a criança, mas é a tribo que pressiona pelo abandono.
No filme Cortina de Fumaça, o debate do infanticídio indígena no Brasil é um dos principais temas. Ainda que seja um grande tabu, passou a ganhar mais visibilidade na pauta pública. Veja o trailer oficial da produção:
A primeira grande exposição do tema veio com a “Lei Muwaji”.
Em 2007, a indígena Muwaji Suruwaha matou sua filha por ter nascido com paralisia cerebral. O sacrifício foi feito segundo o costume do seu povo.
O deputado Henrique Afonso do Partido Verde do Acre protocolou o Projeto de Lei 1.057 que criminaliza quem acoberta tal prática.
No entanto, os responsabilizados não seriam as mães ou as famílias, e sim os enfermeiros, missionários, membros da FUNAI que acompanham as tribos e não denunciam o ato. Como era esperado, a Lei Muwaji gerou muita discussão.
Além disso, muitas das tribos que mantêm o costume de matar as crianças indesejadas estão nas regiões mais afastadas e de difícil acesso.
O projeto de lei foi importante para colocar o problema em debate, mas foi pouco eficaz em pensar soluções.
Em 2010, a indígena jornalista Sandra Terena publicou seu documentário “Quebrando o Silêncio” que aumentou a consciência sobre a questão. Tendo entrevistado mais de 350 mães indígenas e documentado em diversas tribos a prática do homicídio infantil.
A jornalista, que é do povo Terena, reuniu relatos de parentes de vítimas, de missionários, de agressores e sobreviventes e expôs, de maneira extensa, o problema cultural do sacrifício das crianças.
O filme foi lançado em Brasília, no dia 31/03, dia do Memorial dos Povos Indígenas. Sandra Terena também o exibiu em muitas tribos, suscitando o debate entre seus membros.
Em sete de dezembro de 2014, a Rede Globo no programa Fantástico exibiu uma reportagem completa sobre o tema. No início do programa, a apresentadora aponta que a Constituição brasileira garante aos índios o direito ao assassinato de seus filhos.
Mas a mesma Constituição é clara quanto ao direito à vida. Qual norma prevalece?
Desde a Constituição Cidadã, de 1988, os indígenas são reconhecidos e sua cultura respeitada. Não há mais projetos de integração deles à cultura brasileira.
O artigo 227 da Constituição dispõe ser:
“dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, a saúde, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligencia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Tal direito, é reforçado ainda pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que dispõe no artigo 7º da Lei 8.069/90 o seguinte:
“A criança e o adolescente têm direito à proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”.
Os artigos presentes na lei não fazem distinção da origem da criança ou do adolescente, confere a todos o direito à vida e ao crescimento saudável e digno.
Mas é aqui que mora o problema.
Em 2004, o Brasil, por meio do Decreto 5.051, ratificou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que reconhece e legitima aos indígenas seus direitos permanentes.
Com isso, podem viver conforme seus usos e costumes, amparados pelo respeito à cultura e ao direito consuetudinário dos povos.
Segundo a convenção, seria legítimo o assassinato de crianças por fazer parte do direito tradicional desse povo.
Porém, o parágrafo 2º do 8º artigo prevê:
“2. Esses povos deverão ter o direito de conservar seus costumes e instituições próprias, desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos. Sempre que for necessário, deverão ser estabelecidos procedimentos para solucionar os conflitos que possam surgir na aplicação desse princípio”.
A prática do infanticídio indígena, portanto, fere os direitos previstos na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e nos diversos acordos internacionais que se referem ao direito à vida, dos quais o Brasil é signatário.
A discussão, portanto, encontra seu conflito na seguinte questão:
Alguns grupos tentam defender que as práticas milenares das comunidades indígenas devem ser respeitadas. Termos como infanticídio são, inclusive, vistos como preconceituosos e discriminatórios.
Defendem aliás que o multiculturalismo deve ser preservado como forma de respeito ao direito das minorias. Portanto, o relativismo cultural é a chave para a defesa de práticas que não condizem com os direitos firmados na Constituição.
As comunidades que continuam praticando o assassinato de crianças recebem o amparo de ativistas da causa indígena, os quais alegam que a cultura é relativa. Logo, o que é visto como um crime e um atentado à vida para os brasileiros, pode ser aceito pelos índios.
Não só aceito, como deve ser respeitado nem prejudicado pela interferência externa.
Assim, o debate dessa questão estagnou completamente no Brasil. Não há uma decisão jurídica final quanto ao que prevalece: o direito individual ou o relativismo cultural. Mesmo com os tratados e convenções assinados que apontam que as expressões culturais devem respeitar os direitos fundamentais, o debate segue emperrado.
Já os grupos e associações contrários a essa prática apontam que é um problema similar ao que ocorre na África, onde, em algumas comunidades, as mulheres são vítimas de mutilação genital, parte da cultura local.
Enquanto isso, doenças simples que já são gratuitamente tratadas pelo Estado brasileiro, via SUS, continuam sendo a causa de morte de várias crianças.
Segundo dados da FUNAI, 305 etnias indígenas habitam o território brasileiro nas cinco regiões do país. De todas elas, em pelo menos 18 pode ser identificada a prática do infanticídio indígena:
De acordo com o último censo brasileiro em 2010, a população indígena é de 815 mil, espalhados por aldeias em todo o território, totalizando cerca de 0,4% da população.
Apesar de não serem números tão expressivos, a prática do sacrifício de crianças já foi responsável pela elevação do índice da violência em um estado brasileiro.
Em 2014, o Ministério da Justiça elaborou o chamado “Mapa da Violência” onde traçou as cidades mais perigosas e com os piores números de violência.
No estado de Roraima estava a cidade mais violenta do Brasil, segundo os dados coletados: uma cidadezinha de 19.000 habitantes chamada Caracaraí.
Em apenas um ano foram registrados 42 assassinatos.
A posição alta no mapa se refere a proporção do número de mortes por habitantes. Taxas médias de 10 homicídios para cem mil habitantes são consideradas epidêmicas. Além do fato de a cidade ter registrado apenas sete em 2011, ano anterior.
O Secretário de Segurança Pública de Roraima da época, Amadeu Soares, explicou o problema em uma entrevista ao Fantástico:
“Foi o ano em que a Secretaria Especial começou a fazer o trabalho de registro desses infanticídios.”
Uma pesquisa, conduzida pela Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais, constatou que no ano de 2012 houve 42 assassinatos na cidade de Caracaraí. Destes, 37 foram infanticídios indígenas.
O Secretário ainda apontou um fator delicado. Expôs que antes disso tais dados eram maquiados e catalogados como mortes por outras doenças.
Isso demonstra que o problema é conhecido há muito tempo e, igualmente, acobertado.
Apesar do silêncio, há grupos, associações e pessoas engajadas em combater o homicídio de crianças indígenas.
Kakatsa Kamayurá foi um índio do povo Kamayurá que sobreviveu ao abandono de seus pais.
Após sua mãe ter dado à luz, seu pai não reconhecia a legitimidade do filho e forçou a mãe a abandoná-lo na floresta para que morresse. Ele chegou a ser enterrado vivo em um local distante da tribo, mas uma anciã o resgatou.
A anciã alegava que por ser um homem saudável, poderia no futuro contribuir com as necessidades da tribo, na caça e na defesa do território.
Assim, Kakatsa Kamayurá foi salvo do infanticídio indígena. Quando cresceu resolveu sair de sua tribo e dedicar sua vida a combater a condenação de outras crianças.
Sua luta deu origem ao Projeto Tekonoe. Nas palavras do fundador:
“A vida de nossas crianças é mais importante do que a cultura”.
Em entrevista, o fundador já relatou ter salvado muitas crianças, mas lamenta ter sido incapaz de salvar tantas outras que foram vítimas do sacrifício.
Outra importante associação que se mobiliza nesta luta é a Atini, que significa em português “a voz pela vida”.
Sua ação se baseia, segundo seu site, em:
É responsável também pela publicação, em 2006, da cartilha “O Direito de Viver”, e em 2007 a revista “Quebrando o silêncio — um debate sobre o infanticídio nas comunidades indígenas do Brasil”.
O trabalho dessas associações permite conhecer histórias como a da índia Kanhu Raká, do povo Kamayurá, do Parque Indígena Xingu.
Kanhu Raká foi a primeira filha de um casal da tribo, nasceu sem nenhum problema aparente e foi aceita. Ainda nova, apresentou dificuldades para caminhar, ficar em pé e até ficar incapaz de se locomover sozinha.
Ela nasceu com distrofia muscular progressiva na região da cintura, uma doença que aos poucos se manifestava e comprometia-lhe os movimentos lentamente.
Por terem identificado tardiamente sua doença, apenas aos 4 anos, ela escaparia do sacrifício. No entanto, passaria a viver reclusa e excluída de toda a comunidade, uma espécie de morte social.
A família foi obrigada a conviver com o preconceito do restante da tribo, que via o abandono como a melhor saída para o problema.
Foi quando os avós a levaram a uma equipe da Atini que visitava a região na época e a família se mudou com Kanhu buscando para ela uma melhor qualidade de vida.
A Atini os levou para Brasília, onde pôde fazer o tratamento adequado. Depois, ela e a família se reintegraram à tribo.
Muitos dos motivos que condenam as crianças indígenas já possuem tratamento gratuito oferecido pelo Estado brasileiro.
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