“O homem é lobo do homem”, Thomas Hobbes. Muitas pessoas já ouviram essa frase, bem como já ouviram as máximas de Rousseau e de Locke, mesmo desconhecendo os autores a fundo. Os contratualistas elaboraram as teorias políticas mais difundidas do mundo moderno, sendo ensinados em todas instituições de ensino formal do Ocidente. A base de todas essas teorias está na ideia de estado de natureza (ou estado natural).
Estado de natureza é uma teoria sobre a condição de vida do homem antes da "criação" de sociedades. Os autores contratualistas afirmam que, em um dado período de tempo, os homens viviam sozinhos seguindo apenas as leis da natureza, sem o Estado Civil.
O princípio apresentado é o mesmo para todos os principais contratualistas: Thomas Hobbes, Jean-Jacques Rousseau e John Locke.
De acordo com eles, os homens eram livres — podiam fazer o que quisessem — e eram iguais, possuíam as mesmas possibilidades e as mesmas limitações.
Viviam em harmonia com a fauna e a flora.
Contudo, o modo e a razão de os seres humanos saírem do estado de natureza e firmarem o pacto social, varia segundo cada pensador contratualista.
Thomas Hobbes afirmou que o homem podia tudo no estado de natureza. Por ser plenamente livre, se quisesse algo, empreenderia todos os meios necessários para alcançá-lo.
Na visão de Hobbes, o ser humano é mau por natureza. Seus desejos e prazeres buscam realizar o mal sem se importar com as consequências.
Hobbes conjecturou que, no estado de natureza, os homens utilizavam ampla violência para tomar do outro o que lhes interessava, ou apenas fazer o mal por prazer.
Por não haver regras, nem autoridades para impor a ordem, o mais forte subjugava o mais fraco, que se via de todo impotente perante a injustiça. Se os desejos humanos se cruzassem, a barbárie imperaria.
Foi nesse contexto que Hobbes proclamou sua famosa frase: “O homem é o lobo do homem”.
Assim, pela necessidade de segurança, por receio de injustiças, os homens decidiram abrir mão de sua liberdade e igualdade entregues pela natureza e firmarem o pacto social.
O pacto social criou uma sociedade organizada na qual o governo é a autoridade soberana.
Para conservar a ordem, os homens transferem o poder de punir para a autoridade imparcial do Estado. Sua função é refrear as paixões humanas negativas e garantir que os homens não se prejudiquem uns aos outros.
Por ter tamanho poder sobre todos os homens, Hobbes chamou o Estado de grande Leviatã (nome dado na Antiguidade a um monstro gigantesco, com aparência de crocodilo).
Seu principal livro, onde desenvolve as ideias aqui resumidas, chama-se Leviatã.
A ideia de estado de natureza de Rousseau diverge de Thomas Hobbes, seu antecessor.
Para Rousseau, o homem nasce bom e a sociedade o corrompe.
Em sua teoria, Rousseau afirma que a vida no estado natural era boa, sem conflitos, que o homem vivia sozinho e realizado.
Na “Carta a Beaumont”, ao Arcebispo de Paris, o contratualista escreveu: “Não há perversidade original no coração humano”.
Mesmo assim, os homens realizaram um pacto social visando salvaguardar suas propriedades.
Rousseau não sabe como nem por que os homens realizaram o contrato social, ele não consegue demonstrar como era a vida no estado de natureza.
Em seu principal livro, Do Contrato Social, Rousseau escreve:
“O homem nasceu livre, e em toda parte se encontra sob ferros. De tal modo acredita-se o senhor dos outros, que não deixa de ser mais escravo que eles. Como é feita essa mudança? Ignoro-o. Que é que a torna legítima? Creio poder resolver esta questão”.
Na obra Discurso sobre a Origem das Desigualdades, o autor contratualista tratou a propriedade privada como causadora do fim da liberdade humana. Foi vista como um ato puramente egoísta e de rompimento com o mundo natural.
O iluminista afirma que, para conservar a propriedade privada, os homens passaram a formar famílias e criar normas sociais. Essas instituições visavam apenas excluir os demais que não fossem do grupo dos proprietários.
Assim, para solucionar esse problema, Rousseau propõe que as sociedades sigam a vontade da maioria, vivendo em uma sociedade igualitária sem propriedade privada nem hierarquia.
Locke é considerado o pai do liberalismo. Sua tese a respeito da propriedade privada como um direito natural influenciou profundamente o movimento liberal.
Sua posição pode ser vista como um meio termo entre Rousseau e Hobbes.
Para Locke, o homem em estado de natureza não vivia em guerra constante. Como todos desejam viver uma boa vida e autopreservar-se, Locke encara a vida em estado natural como uma busca de paz e harmonia, que nem sempre era alcançada.
Todavia, diferentemente da visão de Rousseau, Locke enxerga que o homem precisou fazer o contrato social para salvaguardar sua propriedade.
Locke não encara a propriedade como algo maléfico, mas benéfico.
O artigo sobre propriedade privada explicita a natureza e a necessidade deste instituto.
Para Locke, existem 3 direitos dados pela natureza que nenhum homem pode modificar:
Esses 3 direitos precisam do Estado para serem exercidos, do contrário, no estado natural, eles serão feridos e não haverá quem os possa proteger.
Para que o homem não viva em constantes conflitos, onde o mais forte sai vencedor independente de estar certo ou não, o ser humano constitui o governo para alcançar a justiça.
Segundo Locke:
"Ser livre é ter a liberdade para ditar suas ações e dispor de seus bens, e de todas as suas propriedades, de acordo com as leis regentes. Dessa forma, não ser sujeito à vontade arbitrária de outros, podendo seguir livremente a sua própria vontade".
Para Locke, o Estado deve interferir o mínimo possível na vida das pessoas, apenas para garantir que os 3 direitos básicos sejam respeitados.
As ideias de autores consagrados, como Aristóteles, Santo Tomás de Aquino e Cícero, vão contra a teoria de contrato social e a existência de um estado de natureza anterior à vida em sociedade.
Suas teorias são baseadas na adequação do intelecto à realidade. Essa visão de mundo leva a perceber realidades contrárias às expostas por Hobbes, Rousseau e Locke.
As críticas são direcionadas a diversas bases e consequências dessa teoria, sendo as principais:
Rousseau, no início de sua principal obra, Do Contrato Social, afirma o seguinte:
“O homem nasceu livre, e em toda parte se encontra sob ferros. De tal modo acredita-se o senhor dos outros, que não deixa de ser mais escravo que eles. Como é feita essa mudança? Ignoro-o. Que é que a torna legítima? Creio poder resolver esta questão”.
Ele tratou a base de todas as suas teorias apenas com esse parágrafo.
Neste parágrafo, porém, ele admite ignorar como aconteceu o contrato social.
Os demais contratualistas também tratam dessa maneira a base de suas teorias.
Este é o ponto mais importante do pensamento destes autores, uma vez que tal pacto é o que impediu os homens de serem felizes e trouxe o mal ao mundo, segundo Rousseau. Segundo Hobbes e Locke, o pacto é o que legitima o poder e as ações do Estado da forma que eles pregam.
O pacto social, que supostamente ocorre durante o estado de natureza, é o acontecimento que explica a base de todo o contrato social. Se o contrato social não tiver ocorrido da maneira e nas circunstâncias que eles afirmaram, suas teorias não se sustentam.
O contrato social foi apresentado sem argumentação racional, lógica.
Rousseau não comprovou a tese histórica de que o homem vivia livre e feliz antes da vida em sociedade, havendo perdido tudo isso por causa da propriedade privada.
Os demais contratualistas não comprovaram a existência de um período no qual os homens não viviam em sociedade, realizando o pacto posteriormente.
Em Lógica, estuda-se que se a premissa estiver errada, tudo que dela se segue também está errado.
Para os críticos, se a proposição de que o contrato social acabou com a felicidade do homem primitivo não for verdadeira, todas as soluções e argumentos de Rousseau em todas as suas obras estão erradas. O que falta ao argumento é uma base que seja real.
Se a proposição de que o contrato social legitima a formação do Estado, com as prerrogativas e as consequências morais dessa decisão, for falsa, as propostas de Hobbes e Locke também caem por terra.
Sem a base histórica, resta aos contratualistas apenas sua opinião, sua suposição ou ideia.
Os bebês já nascem fruto da união do homem e da mulher, eles precisam de cuidados por muitos anos. A proteção vinda da família e da organização social são necessárias.
Ademais, o ser humano não adquire qualquer tipo de conhecimento que não seja passado por outra pessoa que antes já o possuía.
Se um ser humano fosse abandonado para viver sozinho em busca de uma liberdade teórica, não sobreviveria no início da vida, não haveria transmissão de cultura nem de conhecimento.
Muitos críticos dos contratualistas afirmam que a vida em sociedade é natural ao homem, principalmente em família, e isso é um bem para a vida humana.
A própria família não consegue sobreviver sem outras famílias, devido a necessidade de proteção dos diversos perigos do mundo selvagem e da produção de alimentos.
A realidade demonstra que existe uma necessidade de interdependência humana.
As tribos indígenas e os esquimós comprovam isso. Estes, que vivem no estado mais natural que se pode encontrar no mundo moderno, em conjunto com o que a historiografia demonstra acerca dos mais antigos homens, possuem hierarquia, família e conflitos.
As crianças aprendem como viver com os pais e adquirem conhecimento intelectual (visão de mundo) e prático (lidar com a natureza e seus itens) com os mais velhos e sábios da tribo. Além disso, verifica-se:
No Brasil pré-descobrimento, as grandes tribos dos Aimorés e dos Botocudos eram conhecidas pela violência e instinto guerreiro.
Essas realidades demonstram o contrário do que foi visto nas principais ideias dos contratualistas.
Os povos de continentes diversos não tinham contato entre si na Antiguidade, mas em todos os continentes, a grande maioria vivia de forma contrária às principais ideias de Hobbes, Locke e Rousseau.
Outras considerações possíveis são as de que o ser humano também vive em sociedade por necessidade psicológica e não apenas por sobrevivência.
Em uma pesquisa feita pela Universidade de Harvard, o estudo mais longo já feito sobre a felicidade, foi demonstrado que a maior influência na conquista de uma vida boa são os relacionamentos humanos de boa qualidade.
A ideia contratualista leva a tese de que as regras morais existem apenas por uma convenção humana. Assim, a moral é subjetiva.
Na perspectiva de Rousseau, as regras baseadas em uma moral objetiva são vistas como maléficas, atrapalhando a realização da vida humana.
Para Hobbes e Locke, as exigências morais são necessárias apenas para preservar a vida (e, para Locke, os outros dois direitos fundamentais, a saber, a liberdade e a propriedade). Contudo, esse pensamento permite ao governo e ao povo mudarem as leis e a moral como bem entenderem para conservar a vida.
Para ilustrar a diferença entre uma moral subjetiva (baseada na vontade da maioria) e uma moral objetiva (regida pelas leis da realidade, leis anteriores e superiores ao homem), pode-se fazer uma comparação com a moral clássica, que busca as leis naturais que levam o homem à perfeição.
Uma discussão na sala de aula do professor Peter Kreeft demonstra essa questão (retirado do livro É razoável crer?, de Alfonso Aguiló. Ed. Quadrante, SP, 2007.):
Conta Peter Kreeft, um grande escritor e professor americano, que, um dia, ao dar uma das suas aulas de ética, um aluno lhe disse que a Moral era uma coisa relativa e que ele, como professor, não tinha o direito de ‘impor-lhe os seus valores.
“Bem — respondeu Kreeft, para iniciar um debate sobre a questão — vou aplicar à classe os seus valores e não os meus. Você diz que não há valores absolutos, e que os valores morais são subjetivos e relativos.
Como acontece que as minhas ideias pessoais são um tanto singulares sob alguns aspectos, a partir deste momento vou aplicar esta: todas as alunas estão reprovadas”.
O rapaz mostrou-se surpreendido e protestou dizendo que aquilo não era justo. Kreeft argumentou-lhe:
“Que significa para você ser justo? Porque, se a justiça é apenas o ‘meu’ valor ou o ‘seu’ valor, então não há nenhuma autoridade comum a nós dois. Eu não tenho o direito de impor-lhe o meu sentido de justiça, mas você também não pode impor-me o seu.
“Portanto, só se existir um valor universal chamado justiça, que prevaleça sobre nós, que você poderá invocá-lo para considerar injusto que eu reprove todas as alunas.
“Mas, se não há valores absolutos nem objetivos fora de nós, você só pode dizer que os seus valores subjetivos são diferentes dos meus, e nada mais.
[E, mesmo se houvesse um acordo entre ambos, o acordo poderia ser quebrado posteriormente por não haver nada que o reja que seja superior a vontade pessoal]
“No entanto, você não diz que não gosta do que eu faço, mas que é injusto. Ou seja, quando desce à prática, acredita sem a menor dúvida nos valores absolutos”.
Para grande parte dos que se opõem a um relaxamento moral, ao não aceitar os limites impostos pela natureza das coisas e pelos valores transcendentais, as tragédias podem se tornar justificáveis.
Sem um padrão moral que rege a humanidade, para além da vontade da maioria, como condenar Hitler pelo genocídio que promoveu? Eis um exemplo de questão levantada para contestar a moral subjetiva.
A solução política contratualista justificaria o assassinato de Sócrates, por exemplo, já que a soberania popular foi aplicada quando os representantes do povo decidiram que ele devia morrer, mesmo havendo o filósofo comprovado sua inocência.
Mesmo a visão de Direito Natural de Locke é diferente do Direito Natural Clássico defendido por Aristóteles, São Tomás de Aquino, Cícero e muitos outros.
Dessa maneira, os críticos dos contratualistas afirmam que suas ideias levam à destruição do homem e do Estado.
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