“A música brasileira tá uma merda. As letras, então? Meu Deus do céu! Uma porcaria. […] Não sei se o pessoal ficou mais burro, se não tem vontade (de cantar) sobre amizade ou algo que seja: só sabem falar de bebida e a namorada que traiu”. Com essas palavras, Milton Nascimento descreveu o que considera ser um dos motivos da decadência da música brasileira.
Ele disse isso ao comentar sobre músicas feitas com foco em lucro, vender ao máximo e atingir uma grande massa, mas além do conteúdo das músicas, outros fatores podem apontar sinais de pobreza musical.
Essa é uma importante questão, também foco de reflexão no documentário A Primeira Arte, disponível gratuitamente. Esse documentário está entre os mais belos já produzidos e levou muitas pessoas às lágrimas.
Quando se faz críticas aos estilos musicais ou às músicas propriamente ditas, quando não ao próprio artista, as primeiras acusações que se ouve são a de que o crítico é elitista ou preconceituoso: aqueles que falam da decadência da música brasileira podem ser tachados de arcaicos ou saudosistas.
Há ainda quem defenda ser impossível dizer que uma música seja ruim e outra boa, por considerar que isso é questão de gosto e, neste caso, não há margem para discussão. Dependendo da situação, quem criticar alguma música ou um estilo musical inteiro pode até mesmo ser censurado.
Entretanto, alguns critérios podem apontar para a decadência da música por comparação ao que já foi produzido na história da humanidade. Há critérios objetivos para dizer se algo é ou não música. Existem razões que explicam por que, hoje em dia, existem menos músicas boas sendo produzidas.
As pessoas que aderiram ao relativismo moral se recusam a fazer juízos de qualidade, considerando algo bom ou ruim, feio ou belo, por exemplo.
A militância do politicamente correto rapidamente rechaça quem considera um estilo melhor que outros. É possível, porém, conversar sobre a qualidade da música a partir de análises objetivas, sem imposição de preferências pessoais.
De fato, as músicas de péssima qualidade tomaram conta dos espaços midiáticos: e essa afirmação não de nenhum modo se relaciona com a uma oposição entre música popular e música erudita.
A música ruim não é a música popular em relação às músicas clássicas, nem à algum estilo específico, muito menos à música de algum grupo social. Parece óbvio, mas música é música: é boa quando verdadeira, quando atende ao seu propósito.
Para descobrir o que é uma música ruim, decadente, pobre, tem-se que investigar se ela se desvirtuou de sua função. Até mesmo a cultura regional, popular, que é legítima e rica, está diluída.
Alguns críticos consideram que a música é ruim quando:
No curso de história da música, o pianista Álvaro Siviero explica por que algumas músicas são boas e outras ruins: você pode assistir para estudar e refletir sobre esse tema; o curso está disponível gratuitamente no Youtube. Veja o trailer:
Pensando no Brasil, críticos como Fabricio André Bernard Di Paolo apontam para a falta de habilidade de criação, já que se copia muito mais.
Diante da pobreza musical que atende aos pontos elencados anteriormente, outros recursos passam a ser usados para que as músicas sejam atraentes ao público.
Um dos mais utilizados é o palavrão: ele desperta curiosidade e humor; soma-se a ele o uso da sensualidade. Uma grande parte das músicas brasileiras foca no tema da violência e do erotismo, algo ressaltado por Siviero.
O professor Olavo de Carvalho, comentando o tema da decadência da música brasileira, recorda o que os gregos já diziam sobre essa arte:
Platão considerava a música como fundamental para a educação e formação da alma, em ordem a desenvolver o senso de harmonia; ela é uma das modalidades, uma espécie de concordância, coerência ou integridade.
Por essa razão, ao aprender música, entende-se mais como a coerência rege o universo e o homem, compreende-se melhor a noção de totalidade.
Aristóteles, seu discípulo, seguiu a mesma ideia: ele viu a arte como uma forma de tentar exteriorizar o que é íntimo ao ser, ou seja, tornar universal o que é individual.
O problema é que atualmente muitas músicas não têm a intenção de tocar a alma do homem.
Em relação às composições de artistas renomados do passado, as letras das músicas estão cada vez mais simples: algumas parecem escritas por um estudante recém- alfabetizado.
O que disso se conclui é que a proposta mercadológica consiste em não exigir esforço intelectual. A quantidade de trabalho usado para fazer uma composição mudou, porque a intenção é produzir em escala, com velocidade: músicas há que se fazem apertando botões de sintetizadores.
Segundo o Professor Olavo, faz parte da simplicidade das músicas ruins terem letras que dizem obviedades. Ao comentar este aspecto, Siviero aponta que algumas letras gerariam vergonha se fossem lidas na frente da própria mãe. Para entender o problema das letras simples e óbvias, pode-se fazer uma comparação com a literatura.
A arte da escrita literária existe para dizer aquilo que os simples fatos não conseguem dizer. Quando se descreve uma situação, pode-se perceber muito mais coisas enunciadas sem nem estarem elas escritas, porque subjazem nas entrelinhas. É possível escrever livros inteiros para explicar, por exemplo, três versos da Divina Comédia, de Dante.
Mas o que se pode aprender com a música? As que são chamadas clássicas têm esse nome porque vencem o tempo: possuem uma qualidade tão excelente, várias no nível da genialidade, que se tornam parâmetros atemporais. Em relação às composições atuais, o que há por trás das emoções primárias, literais e diretas das músicas?
A indústria fonológica se preocupa em criar músicas que se fixem na mente, como chicletes: devem ser facilmente memorizáveis, não muito longas ou difíceis de entender. Muitos nem se preocupam mais em ouvir a música inteira. O intuito passou a ser lançar mais faixas, ter milhões de visualizações em pouco tempo e partir para a próxima.
Conteúdos formacionais e culturais cederam ao entretenimento e às pressões do lucro.
Muitas apresentações musicais, tais quais vistas com frequência, possuem um sistema de divulgação e agendamento de shows, o qual parece um cartel de empresários em busca de monopólio nas TVs e rádios do Brasil.
A isso somam-se dançarinas sensuais na maior parte das apresentações em programas de auditório e em shows ao vivo: abusa-se dos recursos visuais para aumentar a qualidade da experiência do espectador com a música.
O problema é que muitas delas são a expressão de obviedades físicas imediatas: simplesmente descrevem sexo, traição, paixão, crime…
E outro aspecto que merece reflexão, é o que envolve os acordes.
O pernambucano Leonardo Sales publicou um dos estudos mais completos no Brasil, tendo estudado 532 artistas nacionais, analisando o espectro de letras e acordes.
Em geral, define-se acorde como a união de três ou mais notas tocadas simultaneamente. As músicas não podem ser resumidas a acordes, critério este que não é único, mas certamente merece atenção. Resumidamente, seus critérios foram:
Indicadores dos acordes: quantidade de acordes distintos, percentual de acordes distintos, tamanho dos acordes e raridade dos acordes.
Indicadores das letras: quantidade de palavras distintas, percentual de palavras distintas e raridade das palavras.
A música, em número de acordes, sofreu uma expressiva simplificação ao longo dos últimos anos, cujo processo começou nos anos 60.
Antes o artista tinha que saber compor e tocar, mas com a mercantilização da música, a alguns bastou saber cantar e se apresentar.
Dentre os estilos que menos fazem notações distintas, está o funk. Outro dado é que mais da metade dos artistas brasileiros cantam temas ligados ao relacionamento amoroso.
Analisando a quantidade de palavras únicas, o vocabulário próprio com palavras distintas, o pesquisador encontrou 5 grupos de temas musicais no Brasil:
A pesquisa ressalta a simplificação das letras e a predominância da temática sensual. Resta ainda pensar sobre a finalidade das composições.
Seguindo a explicação do Professor Olavo de Carvalho, a música possui uma função social, existe em função de quem a ouve, de acordo com o efeito que desencadeia.
A música pura, enquanto tal, é uma decisão tardia, fruto da decisão dos músicos em delimitar seu território: ela se separa posteriormente, não nasceu pura, ficou assim quando ser músico se tornou profissão.
O músico era considerado funcionário da corte, tanto quanto o cozinheiro ou a doméstica: foi assim até o século XIX. Ser músico não era profissão de prestígio até o dia em que se tornou rentável.
A ideia da música pura é um subproduto da ascensão social do músico. Chega-se a um ponto onde a música é tão importante em si mesma que os próprios ouvintes não são levados em consideração.
Assim, num imperialismo musical, os artistas passam a fazer músicas para outros músicos e não para o povo. A finalidade social da música se perde e surge outro tipo que atende a função social: a música popular.
A música popular é, literalmente, a música do povo. Ela surgiu vinculada à dança, ao trabalho e ao ritual religioso. Nos termos de hoje, a música popular é chamada de folclórica, não é industrializada, nem vende milhões de cópias: trata-se da música cantada pelo povo em seu local, festas e tradições.
É a cultura de um grupo que se manifesta: a música cria um ritmo no trabalho, como os plantadores e colhedores que agem ritmicamente, sendo levados por uma melodia.
A música é uma linguagem, no caso, a do povo. De certa forma, Mozart é música popular na Áustria, pois é o que eles ouvem lá. Isso cria um vínculo entre as pessoas e o que elas produzem: a música depende do nível educacional, interesses e cultura…
Muito do que se chama de música popular contemporaneamente, é, na verdade, música industrial. São aquelas feitas por certos músicos para a comercialização em grande escala. Normalmente se atribui a elas a causa da decadência da música brasileira.
Ela é um fenômeno do século XX, diferente da popular e da clássica: busca sucesso comercial sem trabalhar com a inteligência.
A finalidade dessa música é vender discos, o que faz com que ela seja parecida com as outras músicas que já venderam muito bem. A música industrial é um subproduto das teorias musicais do início do século XX, do isolamento da música e da sua finalidade social.
É precisamente essa intenção comercial que conduz à massificação.
Nos anos 20, o rádio começou a fazer parte da vida das pessoas. A era de ouro no Brasil foram as décadas de 30 e 40 quando estouraram nomes como Carmem Miranda, Dalva de Oliveira, Aracy de Almeida e outros.
Quem aparecia no rádio tinha boa relação com pessoas importantes, mas em geral cantavam bem e disputavam um lugar ao sol.
Todavia, não durou muito e o efeito do rádio trouxe a massificação: todos passaram a ter contato com os artistas e as músicas a fazer sucesso rapidamente. Os empresários viram nisso uma oportunidade.
O rádio permitiu a facilidade de acesso às músicas, sem necessidade de comprar CDs, por exemplo; hoje, a internet cumpre esse papel.
A consequência é que quanto mais descartável for um produto, menos valor ele terá. As músicas passaram a ter curta duração e a ser rapidamente substituíveis. A decadência da música foi agravada pelo próprio comportamento dos artistas e do mercado em si.
Com a televisão, tudo piorou. Nem todo bom artista é bonito, mas essa se tornou uma característica necessária para aparecer na TV: ninguém queria um artista horrendo cantando as músicas preferidas.
Assim começou a seleção pela beleza, não pela música; a juventude começou a ter vantagens sobre os velhos.
Além disso, os empresários notaram que os jovens são um público que tende a idolatrar o artista preferido: vender para eles era mais fácil, bastando formar ídolos. A consequência foi o surgimento de cantores mais preocupados com a aparência e com a movimentação do mercado do que com a música.
Hoje, artistas há que não vendem músicas, mas a si próprios: o visual, número de seguidores, as fotos, as declarações polêmicas e a presença em shows se tornaram mais importantes.
Como nem todos cantam realmente bem, mesmo que tenham boa performance em palco e atratividade, cada vez mais foi necessário buscar as habilidades de engenheiros de áudio para modificar as vozes, segundo Di Paolo.
As músicas cujo artista é um ícone mais importante que a própria música, criam uma idolatria, principalmente entre os mais jovens.
O lobby da música embala dezenas de pessoas e as deixa iguais; depois são colocadas no mercado, já na espera do sucesso, uma vez que a receita de bolo foi seguida.
O papel da assessoria de imprensa, nesses casos, é forjar um sucesso antecipado, além de maquiar um desenvolvimento internacional que pode até mesmo ser falso.
Por isso, o número de cantores desafinados que “bombam” por aí cresceram , sem considerar os que têm suas vozes alteradas eletronicamente.
Para Olavo, antes de se pensar em uma solução que envolve diretamente a decadência da música brasileira, é preciso restaurar a língua portuguesa. Esta restauração não acontecerá sem começar pelo essencial, como o sistema de verbos.
No Brasil há uma distância enorme entre a linguagem formal e a linguagem corrente. São praticamente duas línguas: dentro de dois anos as pessoas sequer conhecem mais os elementos de curta duração, como as gírias. Por exemplo, o jornal O Pasquim, nos anos 70, tinha uma linguagem que era a língua da juventude carioca, o que hoje é incompreensível, pois tal língua se perdeu.
A língua popular se transforma muito rapidamente e não há tempo de estabilizá-la na literatura: assim, a linguagem formal e a informal se distanciam. A possibilidade de educar as pessoas partindo da informalidade para a formalidade é dificílima. Se este problema básico gramatical e vocabular não for resolvido, como esperar que se produza boas músicas?
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