O conceito de “Banalidade do Mal”, criado por Hannah Arendt no seu livro “Eichmann em Jerusalém”, fez com que ela sofresse duras críticas da comunidade judaica e gerou uma polêmica que ainda hoje se mantém.
Entenda o que é a Banalidade do Mal em Hannah Arendt e por que esse assunto é debatido até hoje.
Hannah Arendt nasceu em Hannover, na Alemanha, no dia 14 de outubro de 1906 e morreu nos Estados Unidos em 4 de dezembro de 1975. Estudou filosofia na Universidade de Marburg, formando-se em 1929.
Teve como professor o grande filósofo Martin Heidegger, com quem também teve um relacionamento amoroso.
Ela obteve uma bolsa de estudos na Associação de ajuda para a ciência alemã, com uma tese sobre a obra de Rahel Varnhagen. Paralelamente a isso, Arendt começou a se interessar por questões políticas.
Estudou e analisou a exclusão dos judeus e, em 1932, publicou na revista História dos judeus na Alemanha o artigo intitulado O Iluminismo e a questão judaica, onde expõe suas ideias sobre a independência do judaísmo.
Ainda em 1932, escreve uma crítica do livro O problema da mulher na atualidade, de Alice Rühle-Gerstel, onde comenta a emancipação da mulher na vida pública.
Hannah Arendt insiste que as frentes políticas são “frentes de homens” e considera questionáveis os movimentos feministas e movimentos juvenis.
Para a filósofa, ambos os movimentos possuem estruturas com interesses que ultrapassam o que é proposto pela causa.
Justamente por extrapolarem a pauta original, tais movimentos falham em tentar criar partidos políticos influentes.
Hannah Arendt nasceu em uma família judia e viveu os horrores perpetrados pelo Nazismo. Durante a ascensão nazista capitaneada por Hitler, ela perdeu o direito de estudar nas universidades e foi expulsa durante a crescente perseguição aos judeus ao longo da década de 30.
A perseguição aos judeus é apenas uma das características do nazismo. Conheça as 6 principais características deste regime.
Em julho de 1933, ela foi detida durante oito dias pela Gestapo. Já naquele ano, Arendt defendia a postura de que se deveria lutar ativamente contra o nacional-socialismo.
Assim que conquistou sua liberdade, fugiu para os Estados Unidos. Em 1951, conseguiu nacionalidade americana.
Em 1963, Hannah Arendt é contratada como professora da Universidade de Chicago, onde ensina até 1967, ano em que se muda para Nova York e passa a lecionar na New School for Social Research.
O trabalho filosófico de Hannah Arendt abarca temas como política, autoridade, totalitarismo, educação, condição laboral, violência e condição feminina.
Hannah Arendt é considerada um dos mais importantes nomes da filosofia do século XX. Entenda suas ideias.
A obra onde Hannah Arendt trata da Banalidade do mal é em seu livro intitulado Eichmann em Jerusalém — Um relato sobre a Banalidade do Mal. O livro é fruto das observações de Arendt sobre o famoso julgamento de um oficial nazista em Jerusalém.
O livro surgiu na sequência do julgamento em Jerusalém de Adolf Eichmann, raptado pelos serviços secretos israelitas na Argentina, em 1960, e que a filósofa acompanhou como repórter para a revista The New Yorker.
Adolf Eichmann era um oficial da SS, serviço secreto nazista, incumbido de organizar a logística para a “solução final”.
A solução final foi um plano nazista para a exterminação dos judeus na Alemanha e nos territórios ocupados. A estratégia foi elaborada num contexto em que os nazistas haviam sido derrotados na guerra e queriam acabar com os rastros de seus crimes contra a humanidade.
O julgamento de Adolf Eichmann, iniciado em 1961, em Jerusalém, resultou na pena de morte por enforcamento, ocorrida em 1962, nas proximidades de Tel Aviv.
As reflexões de Hannah Arendt se baseiam na observação e percepção sobre o quão comum seria Eichmann, pois a todo momento se defendia dizendo que estava apenas cumprindo ordens.
Em sua reflexão, Hannah propõe que Adolf Eichmann era desprovido de um senso de pensamento crítico, no sentido de não questionar nada, apenas executar, e de não refletir sobre seus atos. Não havia embasamento em qualquer ética ou moralidade.
Tratava-se, segundo Arendt, de um cidadão desprovido de moral, ética e senso crítico, suas ações baseiam-se em executar mecanicamente ordens de superiores. Foi a partir destas reflexões que surgiu a ideia de Banalidade do mal em Hannah Arendt, seu famoso conceito.
Na obra Eichmann em Jerusalém, a filósofa propõe que, devido à massificação da sociedade, criou-se uma multidão incapaz de fazer julgamentos morais, razão que explica porque aceitam e cumprem ordens sem questionar.
Eichmann, um dos responsáveis pela solução final, não é olhado como um monstro, mas apenas como um burocrata zeloso que foi incapaz de resistir às ordens que recebeu.
O mal torna-se assim banal.
A banalidade do mal é, para a filósofa, a mediocridade do não pensar. Não exatamente significa o desejo ou a premeditação do mal, personificado e alinhado ao sujeito demente ou demoníaco.
O conceito de Banalidade do Mal em Hannah Arendt pode ser assim resumido:
A Banalidade do mal se instala por encontrar o espaço institucional, criado pelo não pensar. Em Eichmann, Arendt via não alguém perverso ou doentio, sequer alguém antissemita ou raivoso, somente alguém que cumpre ordens, incapaz de pensar no que realmente fazia, mantendo o foco somente no cumprimento de ordens.
O livro 1984, de George Orwell, representa bem o fenômeno da Banalidade do mal, onde o indivíduo é mero executor de ordens superiores sem qualquer reflexão moral dos seus atos.
Segundo Hannah Arendt, a Banalidade do mal é o fenômeno da recusa do caráter humano do homem, apoiado na recusa da reflexão e na tendência em não assumir a iniciativa própria de seus atos.
A violência e a dominação social e política são conceitos relacionados ao processo descrito por Arendt, assim como o conceito de ética.
Quando o indivíduo se afasta da responsabilidade e do domínio de suas atitudes, pensamentos e comportamento, ele deixa de realizar o exercício da reflexão, desconectando-se do sentido das coisas.
O campo ético é corrompido por essa visão limitada e empobrecida. Assim, está instalado o estado de Banalidade do mal proposto por Hannah, no qual nem a violência nem a agressividade perturba a ordem social.
Partindo desse pressuposto, Hannah Arendt busca compreender como a sociedade consegue se manter mesmo diante de situações caóticas, como foi o nazismo ou as grandes guerras.
O mal é considerado assim não mais como algo surpreendente, fruto de mentes doentias, mas como um aspecto trivial da sociedade, onde os comuns o praticam.
Arendt argumenta que existiam vários como Eichmann na Alemanha nazista, que não viam maldade em suas ações: pelo contrário, apenas tinham um senso de dever e executavam quaisquer ordens que recebessem.
Hannah Arendt não só realizou a cobertura completa do processo, como entrevistou pessoalmente o acusado e o descreveu como um ser humano irreflexivo.
Embora as atrocidades por ele conduzidas tivessem sido de uma crueldade inimaginável:
“O executante era ordinário, comum, nem demoníaco, nem monstruoso”.
Eichmann, durante todo o julgamento, revelou-se uma pessoa incapaz de exercer a atividade de pensar e elaborar um juízo crítico e reflexivo.
Seu linguajar era estruturado por sentenças prontas, automatizadas, como por exemplo:
“Minha honra é minha lealdade”.
A massificação que o partido promove é uma espécie de lavagem cerebral que transforma tudo o que a ideologia faz em um valor absoluto. Ignorando assim o que é justiça, ética, verdade, virtudes.
Assim, Eichmann nunca tomou decisões autônomas, apenas executou rigorosamente todas as ordens que lhe foram dadas, jamais emitindo opiniões pessoais e sempre acolhendo as decisões emanadas de seus superiores.
Hannah Arendt cunhou o termo “banalidade do mal” após ouvir do próprio Eichmann que o cego cumprimento às ordens emitidas por seus superiores poderia ser comparado à obediência de um cadáver.
As últimas palavras do oficial nazista foram:
“Após um curto intervalo, senhores, iremos nos encontrar novamente. Esse é o destino de todos os homens. Viva a Alemanha, viva a Argentina, viva a Áustria. Eu não as esquecerei”.
A análise de Hannah Arendt sobre a figura de Eichmann não foi bem acolhida por parte da intelectualidade da época, pois a consideram extremamente benevolente e equivocada quanto à avaliação da gravidade dos atos.
Em nenhum momento Hannah Arendt o isentou de sua culpa, apenas entendeu existir uma distinção no grau de responsabilidade dos líderes do movimento totalitário e da grande massa burocrática que executava as ordens da cúpula nazista.
Toda essa reflexão acerca da Banalidade do mal feita por Hannah Arendt levou a filósofa a pensar como determinadas culturas que fomentam um senso de plena obediência são suscetíveis de cair na graça de regimes totalitários.
“Será que a natureza da atividade de pensar, o hábito de examinar, refletir sobre qualquer acontecimento, poderia condicionar as pessoas a não fazer o mal? Estará entre os atributos da atividade do pensar, em sua natureza intrínseca, a possibilidade de evitar que se faça o mal? Ou será que podemos detectar uma das expressões do mal, qual seja, o mal banal, como fruto do não-exercício do pensar?
"Uma vida sem pensamento é totalmente possível, mas ela fracassa em fazer desabrochar sua própria essência — ela não é apenas sem sentido; mas não é totalmente viva. Homens que não pensam são como sonâmbulos”.
Outro ponto bastante famoso de sua obra é a discussão da ideia do totalitarismo. Em seu livro, As Origens do Totalitarismo, Arendt busca conceituar esse novo tipo de governo que na ciência política clássica não encontrava boa definição.
Não sendo nem tirania, nem ditadura, o totalitarismo se caracterizava pela busca da legalidade e uma legitimidade calcada no terror reinante, escolhendo não uma pessoa em si ou um grupo por si, mas sim uma ideia a ser perseguida.
No caso dos nazistas está a ideia de que os judeus, por serem gananciosos e corruptos, deveriam ser combatidos. No caso da União Soviética, a burguesia e o capitalismo que oprimiam o proletário, deveriam ser combatidos.
O totalitarismo não tem apenas o uso da força em si como um elemento importante, mas também a aceitação de grande parcela da população.
A massificação do povo, isto é, a remoção de qualquer resquício de individualidade, autonomia e moralidade, é essencial à adesão ao regime totalitário.
Há na base de todo regime totalitário uma forte propaganda estatal que aliena e busca incutir na mente dos cidadãos as ideias do regime.
O totalitarismo se coloca não a serviço do governante, mas sim de uma ideia superior, um destino supremo que aquele povo deve perseguir. O totalitarismo é o oposto de liberdade.
O totalitarismo é o total oposto da ideia de liberdade porque busca mobilizar totalmente o indivíduo. Todas as forças físicas, psíquicas, emocionais e espirituais da pessoa são colocadas em favor do Estado e seu projeto.
O indivíduo imerso nesta cultura já não detém a capacidade de pensar criticamente sobre o mundo nem sobre si mesmo, e torna-se assim massa de manobra.
O totalitarismo, para Hannah Arendt, nega o aspecto mais básico da vida humana que é sua própria individualidade e liberdade.
“Com a perda da tradição, perdemos o fio que nos guiou com segurança por meio dos vastos domínios do passado; esse fio, porém foi também a cadeia que aguilhoou cada geração sucessiva a um aspecto predeterminado do passado. Poderia ocorrer que somente o passado se nos abrisse com inesperada novidade e nos dissesse coisas que ninguém teve ainda ouvidos para ouvir” (Hannah Arendt, Entre o passado e o futuro).
Para Hannah Arendt, o totalitarismo exige o rompimento com a tradição, justamente para fazer sua ideologia prevalecer sobre ideias tradicionais de justiça, igualdade, legalidade e verdade.
Além disso, é próprio desses regimes criar um governo que anula os corpos médios da sociedade, justamente porque podem preservar essa tradição. Os corpos médios são:
Nada pode existir e pensar em favor próprio, tudo deve ser mobilizado em prol do Estado. Anula-se totalmente os espaços públicos e a noção de vida e propriedade privada.
Nessas circunstâncias, para Hannah Arendt, desapareceriam as relações de solidariedade e o indivíduo seria exposto ao estado que ela denominou desolação, ou seja, a experiência de não pertencimento à sua comunidade política, por meio da anulação total da condição de cidadão.
A noção de autoridade defendida por Hannah Arendt é apresentada como um desdobramento do termo auctoritas que deriva da raiz etimológica augere, que significa aumentar, desenvolver-se e depende da legitimidade do poder de preservar os autênticos valores humanos. Valores esses, ao mesmo tempo, pessoais e comunitários, sem os quais a vida perde seus alicerces fundamentais.
Segundo Arendt, o grande desgaste da autoridade teve sua origem no fenômeno totalitário, representado pelo fascismo e o comunismo, sobretudo nas versões nazista e stalinista.
Nesses casos, o que houve de fato, foi o colapso total da autoridade que passou a ser inautenticamente exercida por meio do temor, da arbitrariedade e da violência, privando a sociedade do cultivo dos valores e das virtudes.
Nas palavras de Hannah Arendt, o totalitarismo criou o mundo invertido dos valores e destruiu todos os elementos básicos que fundamentam a sociedade civilizada.
Esse vácuo deixado pela autoridade autêntica baseado na tradição democrática, foi ocupado, na modernidade, pela ditadura da técnica — que possui um forte poder de transformação —, destituído, porém, de uma reflexão ética que limite e modere o poder tecnocrático.
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