Grandes sucessos de crítica e nas premiações procuram, a meu ver, retratar os indígenas, especialmente as tribos da planície dos EUA, como sempre sendo bons e incompreendidos.
Seja "Dança com Lobos" (1990), ou "O Regresso" (2015) e até mesmo "Avatar" (2009), de sua maneira altamente fantasiosa, esses povos são vistos como nobres e valentes (e muitos de fato o eram) mas incapazes de pecar; as vítimas por excelência dos brancos gananciosos.
Na minha visão, um dos fatores que mais contribui para a manutenção dessa visão é o desinteresse pelas situações humanas e reais desses povos, sendo estes substituídos por pautas que não tem muita relação com realidade.
Ao observar o faroeste, como o fizemos semana passada, seja discutindo o oeste real ou o universo ficcional inspirado nele, frequentemente os ataques ao gênero e seu legado começam pela maneira como os indígenas são retratados. É como se fosse a bala de prata que prova como o gênero é ultrapassado e retrógrado, e cancelasse o valor de seu legado por completo.
Como mostra o documentário canadense "Reel Injun" (2009), muito do que é dito sobre como seria a representação dos indígenas norte-americanos no cinema é baseado em argumentos feitos por um olhar com pouco interesse legítimo. Um exemplo dado são os hippies na década de 1960.
Parte de sua estética característica era o uso de faixas na cabeça como uma espécie de "homenagem", ou até como uma sinalização de respeito e preocupação com os povos indígenas da américa do norte.
Aquilo era, na realidade, um simples engano. Nenhuma tribo usava aquele tipo de faixa. Os hippies viram nos filmes algo que figurinistas inventaram para prender as perucas nas cabeças de dublês em cenas de ação para que estas não caíssem, e acharam que aquilo era de fato como aquelas tribos historicamente se vestiam.
Um fato marcante foi o Oscar de 1973, em que uma ativista que se considerava Apache, mas não era, recusa o prêmio de melhor ator em nome de Marlon Brando. Este tipo de percepção fetichizada e outros interesses poluem as discussões sobre o que de fato aconteceu e o que acontece com os descendentes desses povos.
Na realidade, há muito o que se dizer. De fato havia particularidades na mentalidade daqueles homens brancos que iam para o oeste no séc. XIX. Havia a ideia do "Destino Manifesto", e em grande parte a ideia da substituição de uma civilização por outra. Muitos notam a famosa frase do jornalista Horace Greely em 1865:
"Go west, young man, go west(…)".
E como ignorar as consequências das ações do presidente Andrew Jackson em relação aos indígenas americanos durante seu mandato na década de 1830. Tudo isso é importante, ocupariam livros e mais livros por si. Mas o que mais me informa sobre o assunto são os relatos diretos dos indígenas que viveram neste período, e que me parece que acabam ficando deixados de lado.
No livro "Wooden Leg: A Warrior Who Fought Custer" um dos guerreiros sobreviventes da famosa batalha de Little Bighorn, em 1876, conta sua experiência de como uma coalizão indígena liderada pelo lendário Crazy Horse venceu não apenas do Exército dos Estados Unidos, mas derrotou a cavalaria liderada pelo oficial veterano condecorado na Guerra Civil, o famoso general George A. Custer.
O guerreiro cheyenne chamado Wooden Leg nos dá o testemunho ocular do mundo antes dos "facas longas" (referência aos sabres usados pelos soldados do exército) chegarem, e de como foi a luta contra eles.
A vida na região era dura. Eles lutavam para sobreviver e lutavam entre si. Os Cheyenne, os Crow, os Shoshones e os Pawnees entravam em conflito constantemente. Eles não marcavam muito bem quais territórios pertenciam a quem.
Viviam de maneira semi-nômade; seguiam as grandes manadas de búfalo, sua principal fonte de alimento e um importante elemento cultural.
Mas o que era de fato o centro na cultura, que definia um homem, era sua capacidade como guerreiro. Matar um membro de uma tribo rival, muitas vezes de maneira pouco honrosa para olhos ocidentais, era fonte de grande orgulho.
A virtude marcial era tida como um absoluto. Todo garoto era treinado de maneira muito dura a se tornar um grande caçador e um grande guerreiro. O nível de rigor dos rituais aos quais eles eram sujeitos seriam vistos como tortura por olhos contemporâneos.
A partcipação na histórica batalha de Little Bighorn foi o grande marco de vida de Wooden Leg. Um ponto ainda controverso sobre o que ocorreu lá é mencionado nas entrevistas que compõe seu relato, mas não é esclarecido.
Não houve sobreviventes do lado do exército dos EUA. Nem um único. Todos morreram.
Na história militar, raríssimas são as batalhas que terminam em extermínio completo do exército inimigo diretamente no campo de batalha. O que se busca é fazer o outro lado desistir de lutar. Sobram feridos e aqueles que se rendem. Estes, mesmo se levados à execução, são feitos prisioneiros em algum momento.
No entanto, lideranças indígenas contavam que, em 26 de junho de 1876, assim que a batalha se concluiu, todos os homens da cavalaria se suicidaram. Até hoje, mesmo depois de pesquisas arqueológicas colocarem grandes dúvidas sobre esta narrativa, esta versão dos fatos ainda é a predominante.
Razões que poderiam levar a um ato de vingança por parte dos indígenas, há de ser dito, não eram poucas. O ressentimento era grande de ambos os lados. Esta é mais uma de muitas situações que mostram a hesitação de estudiosos e da mídia em retratar os povos indígenas de qualquer lugar do mundo como pessoas reais, dotadas de vícios e virtudes; capazes de grande compaixão e também de grande crueldade.
Outro recorte que choca as percepções sobre esses povos foi sua relação com a escravidão de negros africanos. Quando os povos nativos são discutidos em relação a este assunto, na esmagadora maioria das vezes se supõe que fariam o papel de vítima. Mas não era sempre o caso. Tribos de indíos americanos como Cherokee, Chickasaw, Choctaw, Creek e Seminole, durante a tão revisitada "trilha das lágrimas", consequência da expulsão indígena causada pelo do "Indian Removal Act" de 1830, levavam consigo escravos negros africanos de sua propriedade. Este tipo de imagem me parece ser inconcebível àqueles que observam a história de maneira removida e ideologizada
Em 1931, décadas depois do fim das "Indian Wars", tendo vivido em seus longos anos uma época em que o homem branco ainda era uma preocupação distante, e também o declínio e derrota das tribos da planície, além dos acordos de paz e a delimitação das reservas, Wooden Leg conta como era bom viver seus últimos anos na reserva indígena, onde pode dormir tranquilo, sabendo que ninguém roubará seu cavalo ou o atacará no meio da noite. Não falta café, tabaco, e gado que não foge.
O problema é que ele sentia falta dos velhos tempos, nos quais um homem precisava ser corajoso. Por fim, ele reconhece que o que os derrotou não foram as armas de fogo do homem branco. Foi o conforto da reserva que realmente matou o espírito guerreiro de seu povo.
Não à toa, as últimas palavras de Crazy Horse ecoaram com tanta força para os que permaneceram. Quando ferido mortalmente, à beira da morte, ele disse : "..deixe-me morrer lutando".
Tive o privilégio de conhecer membros da etnia indígena dos Parecis, no Mato Grosso, durante a produção de "Cortina de Fumaça", documentários da BP sobre o ambientalismo. Os Parecis se integraram à sociedade brasileira.
Seus filhos vão à escola. Eles trabalham suas terras, produzem alimentos para exportação, usando conhecimento e tecnologia do agronegócio brasileiro. Graças à força de seu empreendedorismo sua população tem aumentado. Eles mantêm as tradições mas entendem que, para prosperar, é necessário olhar ao redor.
Um deles, enquanto as câmeras não estavam gravando, comentou brevemente:
"Olhe para nós, agora olhe para os americanos. Nós trabalhamos a terra; eles abriram casinos".
Ele sinalizava para a decadência de alguns povos indígenas americanos, que, ao ter controle total de suas regiões demarcadas, decidiram usar esta liberdade para abrir cassinos.
Liberdade esta dada a eles pelo governo federal americano, com o intuito de permiti-los desenvolver a economia. Apesar de aparentemente gerar receita e criar empregos de maneira rápida, esta atividade costuma ser um grande atrativo para a atividade criminosa e acaba muitas vezes piorando a vida na reserva.
Talvez as palavras do próprio General George A. Custer escritas em suas memórias logo antes de morrer, revelem que, de alguma maneira, aquele que ardentemente combateu as nações indígenas os compreendia melhor que muitos hoje:
“Frequentemente penso que, se eu fosse um índio, preferiria muito tentar minha sorte entre aqueles do meu povo que aderiram às planícies abertas e livres, em vez de me submeter aos limites confinados de uma reserva, a ser o destinatário dos benefícios abençoados da civilização e de seus vícios, lançados sem limite ou medida".
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