O brasileiro passa mais da metade do tempo acordado diante de uma tela, segundo levantamento da plataforma Electronics Hub.
O estudo é baseado no relatório global da DataReportal, e mostra que o Brasil ocupa o segundo lugar no mundo em tempo de exposição digital: são 9 horas e 13 minutos por dia, o equivalente a 54,7% das horas em que estamos acordados.
Apenas a África do Sul tem média maior, com 9 horas e 24 minutos diárias. A média global é bem menor: 6 horas e 43 minutos.
O estudo também aponta que 64% dos brasileiros com smartphone são assinantes de plataformas de streaming como Netflix, Apple TV e Prime Vídeo, o que ajuda a explicar parte dessa presença constante diante das telas.
Mas o fenômeno vai além do entretenimento. Pesquisadores e clínicos vêm associando o uso prolongado a alterações de humor, atenção e comportamento, especialmente entre crianças e adolescentes.
Vídeos curtos, redes sociais, jogos e séries produzem estímulos constantes de dopamina, o neurotransmissor ligado ao prazer e à recompensa.
Cada curtida, comentário ou nova notificação cria um pequeno ciclo de satisfação imediata, e quanto mais o cérebro se acostuma a essa frequência, mais difícil é desconectar.
Segundo o psicoterapeuta David Rosenfeld, da Universidade de Buenos Aires, as telas oferecem uma forma de fuga e, ao mesmo tempo, um tipo de excitação cerebral contínua.
O problema, diz ele, é que essa estimulação constante mantém o cérebro em estado de alerta, o que provoca cansaço mental, irritabilidade e dificuldade de foco.
A psiquiatra Julia Khoury explica que a dopamina, quando liberada em excesso, gera um looping perigoso. Quanto mais prazer imediato se busca, mais difícil é interromper o ciclo.
“O cérebro aprende que o caminho mais rápido para a satisfação é o estímulo digital e, quando isso se repete, o controle se torna cada vez mais difícil”.
O impacto é mais forte nas idades em que o cérebro ainda está em formação. O psicólogo Cristiano Nabuco, especialista em dependências tecnológicas, explica que o cérebro humano só amadurece completamente por volta dos 25 anos.
Antes disso, é mais vulnerável aos estímulos rápidos das telas, o que pode afetar a concentração, o autocontrole e a forma de pensar.
“Quanto mais tempo uma criança passa exposta a esse tipo de estímulo, mais o cérebro se adapta a ele. O problema é que o mundo real não funciona no mesmo ritmo.”
De acordo com a pesquisa “Panorama da Primeira Infância", da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, mais de 60% das crianças de até seis anos têm contato diário com celulares, TVs e tablets.
Em média, essa exposição dura de duas a três horas por dia.
O estudo revelou ainda que 78% das crianças de até três anos usam telas todos os dias, apesar de 58% dos pais reconhecerem que esse hábito deveria ser limitado.
A exposição precoce preocupa porque a primeira infância é a fase de maior desenvolvimento cerebral.
Até os 6 anos, o cérebro forma até um milhão de conexões por segundo, um ritmo que nunca mais se repete.
O excesso de telas nessa fase pode afetar:
Além disso, o problema se agrava quando se considera a realidade do Brasil:
O psicoterapeuta Tom Kersting, que atua há 25 anos em escolas, observou fenômeno semelhante: desde 2012, quando 30% dos adolescentes passaram a ter smartphones, cresceram os casos de TDAH, ansiedade e comportamentos antissociais.
“Não se trata só do tempo de tela. É do que eles deixaram de viver: brincadeiras ao ar livre e interação real.”
O excesso de telas não é exclusividade das gerações mais novas. Entre adultos, nove horas por dia de exposição média significam menos tempo para dormir, se exercitar e conviver com a família.
Ela define o uso problemático de telas como aquele que começa a consumir o tempo necessário ao funcionamento humano normal, o sono, o trabalho e as relações.
O pesquisador Dino Ambrosi estimou que, se uma pessoa de 18 anos viver até os 90, terá 334 meses de tempo livre e que 93% disso, em média, será gasto diante de uma tela.
Ambrosi afirma que o dado é alarmante porque mostra que a maior parte da vida desperta está sendo vivida no espaço digital, muitas vezes de forma automática.
A psicóloga Catherine Steiner-Adair identificou outro efeito colateral: a competição entre filhos e celulares pela atenção dos pais. Em seus estudos, crianças relataram sentir-se ignoradas porque os adultos estão constantemente conectados.
“Os pais que não controlam o próprio uso têm dificuldade em impor limites aos filhos”.
Ela afirma que a situação se agrava quando as telas são usadas como “babás digitais", recurso comum em famílias exaustas ou em trabalho remoto.
Para Yunyu Xiao, professor de Psiquiatria e Ciências da Saúde Populacional do Weill Cornell Medical College, os pais não devem apenas limitar o acesso às telas, mas também observar sinais de dependência digital, como:
Em muitos casos, o tratamento envolve psicoterapia cognitivo-comportamental. E simplesmente “tomar o celular” pode piorar a situação, gerando conflitos familiares ainda mais graves.
Um estudo publicado no JAMA Psychiatry aponta que as empresas de tecnologia também têm responsabilidade pelo problema.
Segundo o psicólogo Mitch Prinstein, da Associação Americana de Psicologia, as plataformas são projetadas para gerar dependência e políticas públicas devem exigir um design “apropriado para a idade”, algo que já existe no Reino Unido.
“Simplesmente culpabilizar os pais é injusto. Muitas famílias não têm tempo ou condições de supervisionar tudo”.
O estudo não prova que o vício em tela causa diretamente os problemas mentais. Mas mostra um padrão: quanto mais tempo com comportamento viciante, maior o risco futuro.
A pesquisa também destaca que o impacto do tempo de tela varia com o que é feito online. Assistir vídeos educativos ou jogar com amigos, por exemplo, não tem o mesmo efeito que consumir redes sociais de forma compulsiva e solitária.
O uso de telas faz parte do cotidiano no trabalho, nos estudos e no lazer. Com o aumento do tempo de exposição, o tema envolve famílias, escolas, empresas e governos.
No Brasil, a média diária já passa de nove horas de conexão, colocando o país entre os que mais passam tempo diante de uma tela.
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