A Venezuela está entre os países com as maiores crises financeiras e humanitárias do mundo, afirma a organização South American Initiative. Crianças morrem todos os dias no país vítimas da desnutrição ou até do abandono parental, uma vez que os pais são incapazes de alimentar todos da família, apontam os estudos da instituição.
Quando se tenta explicar o que causou a crise surge um debate caloroso. Alguns dizem que o comunismo foi a principal causa, enquanto outros defendem que o nacionalismo e o autoritarismo burguês tomou o país.
Entenda as principais vertentes desse debate, seus principais argumentos e os principais estudos sobre a crise da Venezuela.
Para Javier Corrales, professor de ciência política do Amherst College, os principais motivos da Venezuela ter quebrado são:
Autores como Carlos Alberto Montaner, Álvaro Vargas Llosa e Luis Oliveros concordam com Javier.
No livro Las raíces torcidas de América Latina, Carlos Alberto Montaner diz que políticas econômicas baseadas no estatismo e no controle governamental têm prejudicado o crescimento e a competitividade da economia da Venezuela.
Outro fator apontado pelo autor é a perseguição àqueles que não apoiam o socialismo bolivariano. Segundo Carlos Alberto e organizações como a ONU, o governo tem censurado, torturado e prendido seus opositores políticos.
A adesão ao comunismo e ao socialismo é tida como uma das causas da perseguição, já que o mesmo aconteceu em experiências socialistas/comunistas como em Cuba e na União Soviética.
Os críticos do socialismo venezuelano apontam que Hugo Chávez, fundador do atual regime do país, seguia a doutrina de Karl Marx, fundador do comunismo.
Em 2006, Chávez disse:
"De 2007 a 2021 serão 14 anos para semear, aprofundaremos as raízes e estenderemos a revolução por todos os espaços para que a Venezuela seja uma República Socialista Bolivariana" (Fonte: G1.Globo.com).
O atual presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, trabalhava no governo de Chávez e ainda é membro do mesmo partido de seu antecessor, o Partido Socialista Unido da Venezuela. Segundo Maduro:
"Estamos empenhados em construir o socialismo do século XXI".
Na eleição presidencial de 2006, o Partido Comunista da Venezuela apoiou oficialmente a candidatura do então presidente Hugo Chávez. O candidato do Partido Comunista foi reeleito no primeiro turno, tendo obtido 62,8% dos votos segundo o sistema eleitoral do país.
O livro La nueva economía venezolana: Propuestas ante el colapso del socialismo rentista aponta que o governo de Hugo Chávez e Maduro gastaram de maneira irresponsável o dinheiro recebido com descobertas de petróleo, iniciadas em 2003 e encerradas em 2014.
José Toro Hardy, economista e ex-diretor da PDVSA, a estatal de petróleo da Venezuela, diz que as principais iniciativas que levaram o país a quebrar foram:
Alguns dos principais erros apontados pelos autores no uso do dinheiro é a tentativa de investir em um modo de produção socialista, condenado pelo economista Ludwig Von Mises. Para ele, o socialismo é intrinsecamente falho.
Segundo os autores apontados, o atual regime da Venezuela impediu que o mercado se regulasse conforme as necessidades orgânicas da população. Medidas como tabelamento de preços, estatização de empresas e impressão de dinheiro impedem que os bens e serviços sejam valorizados conforme a necessidade da população.
Segundo o historiador Daniel Neves Silva, uma das principais atitudes responsáveis por quebrar a democracia venezuelana foi a reforma jurídica feita pelo revolucionário Hugo Chávez.
O presidente aumentou o número de juízes de 20 para 32, tendo nomeado 12 defensores de seu governo. Segundo Daniel, Chávez perseguiu opositores e procurou perpetuar-se no poder por meio de reformas na Constituição.
Para outros estudiosos do assunto, a Venezuela não quebrou por causa do comunismo nem por conta do socialismo. O jornalista Ronni Pereira diz:
"Não se deve considerar a essência das instituições (governos e partidos) pelo que elas dizem ser ou pela consciência que as mesmas têm de si próprias, já dizia o mestre Perseu Abramo. É necessário analisar as ações e políticas da mesma e chegar a uma conclusão.
[...] Nunca houve abolição da propriedade privada na Venezuela e nem nenhuma das outras características da economia planificada. Apesar de Chávez ter nacionalizado muitas empresas privadas (não todas), ele fez isso com base na ideologia nacionalista, não para tomar os meios de produção da “burguesia”.
[...] Chávez e Maduro são na verdade líderes autocratas e populistas, não socialistas".
O jornal Left Voice (Voz da Esquerda) concorda com a tese. Em entrevista com Milton D’León, trabalhador marxista de Caracas e editor do site La Izquierda Diario Venezuela, o venezuelano afirmou:
"Na Venezuela não é o “socialismo” que fracassou e sim uma política que manteve o país dependente das receitas do petróleo, que garantiu os lucros dos banqueiros e empresários, enquanto o povo sofre com a fome.
O governo se baseou nas forças armadas, em um permanente estado de emergência que fica cada vez mais repressivo ao longo do tempo. A propriedade privada na Venezuela sempre foi defendida e, durante a bonança do petróleo, os capitalistas prosperaram.
Isto foi acompanhado por uma limitada distribuição de renda através de programas sociais, com base no boom do petróleo".
Para Edgardo Lander, sociólogo venezuelano, o socialismo bolivariano trouxe benefícios para seu país, não sendo culpado pela crise do país. Em um artigo publicado na Revista Movimento:
"Nos anos de governo bolivariano se produziram elevados graus de politização, significativas transformações na cultura política popular, no tecido social e organizativo, assim como nas condições materiais de vida dos setores populares anteriormente excluídos.
Geraram-se amplamente sentidos de dignidade e inclusão, capacidade de incidir tanto sobre a vida própria como sobre o destino do país.
Mediante múltiplas políticas sociais (las misiones) dirigidas a diferentes setores da população, foram reduzidas muito significativamente os níveis de pobreza e de pobreza crítica.
De acordo com a CEPAL, o país chegou a ser, junto com o Uruguai, um dos países menos desiguais de toda a América Latina. A população ficou melhor alimentada. Realizaram-se efetivos programas de alfabetização".
Mesmo com diferentes pontos de vista sobre a causa, uma observação parece ser unânime: a Venezuela quebrou, tanto na esfera financeira quanto na esfera humanitária.
Em relatório divulgado em agosto de 2022, a ONU apontou que os serviços de inteligência da Venezuela cometeram crimes contra a humanidade sob ordens das esferas mais elevadas do governo para reprimir a oposição.
"Esse plano foi orquestrado no nível político mais alto, liderado pelo presidente Nicolás Maduro", ressaltou em entrevista coletiva Marta Valiñas, presidente da Missão Internacional Independente da ONU sobre a Venezuela.
"Nossas investigações e análises mostram que o Estado venezuelano usa os serviços de inteligência e seus agentes para reprimir a dissidência no país. Isso leva à prática de crimes graves e violações de direitos humanos, incluindo atos de tortura e violência sexual", denunciou Marta.
O relatório apontou que Maduro e pessoas de seu círculo próximo “participaram da seleção dos alvos”.
Segundo a página da South American Initiative, a Venezuela precisa urgentemente de apoio financeiro. Crianças morrem todos os dias no país vítimas da desnutrição ou até do abandono parental, uma vez que os pais são incapazes de alimentar todos da família.
A iniciativa filantrópica acusa o país de promover um “Holocausto modenrno”. Boa parte da população vive com apenas um salário mínimo na Venezuela. Com a atual crise econômica, este dinheiro não compra mais que um pente com 24 ovos ou um quilo de queijo.
Em 2017, a pesquisa Encuesta Condiciones de Vida (ENCOVI) apontou que 64,3% dos venezuelanos reconhecem ter perdido até 11 quilos.
Segundo o Conselho Noruegano para Refugiados (NRC), a Venezuela está entre as crises mais esquecidas e desatendidas do mundo. O país entrou na lista em 2017, ano em que 1,6 milhões de venezuelanos deixaram o país.
Segundo o NRC:
“Os venezuelanos sem status legal em países vizinhos estão sujeitos a exploração laboral e sexual. Dificilmente os refugiados têm acesso a serviços sanitários”.
A economia socialista da Venezuela enfrenta um ciclo de crises constantes. Desde a primeira queda dos preços dos barris de petróleo na década de 80, o país nunca se recuperou.
A economia do país se tornou totalmente dependente do petróleo, a agricultura e a indústria nunca foram desenvolvidas. A maior parte dos produtos que abastecem o país provém de importações e a sua moeda é ancorada no dólar.
Com o processo de estatização da economia e endurecimento da ditadura bolivariana, a Venezuela assistiu investidores e empresas saírem do país.
A inflação aumenta no país mês a mês enquanto sua moeda se desvaloriza. Um bolívar venezuelano, moeda local, equivale a 0,12 centavos de dólar americano.
Os preços dos insumos básicos importados aumentam mês a mês e tiram da população o poder de compra. Veja o gráfico abaixo que mostra a evolução da pobreza na Venezuela nos últimos anos:
Pesquisa realizada pela Encuesta Condiciones de Vida (ENCOVI), com colaboração das universidades: Universidad Católica Andrés Bello, Universidad Central de Venezuela e Universidad Simón Bolívar.
Contra a oposição venezuelana que tenta se levantar contra o governo, a ditadura de Maduro responde com violência, afirmaram as pesquisas citadas. Mas como o atual regime chegou ao poder?
Hugo Chávez fundou o Movimento V República (MVR) em 1997, uma aliança partidária de esquerda que lhe deu suporte para disputar a presidência.
Criticando a “elite governante corrupta e falha” e prometendo combater a injustiça social com as riquezas do petróleo, Chávez foi eleito com 56% dos votos.
O novo presidente afirmava defender a democracia, tendo dito que entregaria o poder em menos de 5 anos. Contudo, Chávez ficou no poder por 14 anos, até sua morte.
Buscando mostrar a Venezuela como ela é, a Brasil Paralelo foi até o país de Maduro descobrir histórias reais contadas pela população local. Na prática, o que é a Venezuela?
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