A filosofia cristã surgiu a partir de uma busca por conciliar a razão natural com as verdades reveladas. Os cristãos eruditos encontraram pontes entre a filosofia nascida na Grécia e a fé na revelação trazida por Jesus.
Em seus esforços filosóficos, nomes como Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino dedicaram muito de seu esforço em aproveitar a filosofia para confirmar o que se ensina pela fé, pela teologia. Mesmo após séculos, o que eles legaram continua sendo estudado.
A filosofia cristã é uma corrente do pensamento filosófico que busca demonstrar que a fé não contradiz a razão, e que a razão leva até a fé. Principalmente por meio da tradição grega, os padres do início do cristianismo buscavam explicar o divino e até mesmo a prova da existência de Deus com argumentos lógicos. Pela filosofia, também defendiam a fé.
Seu florescimento se deu no século II d.C., quando surgiram os primeiros intelectuais cristãos, os Padres da Igreja.
Os primeiros filósofos cristãos são parte do que conhecemos hoje como a patrística, início da Igreja, e da escolástica, eruditos da Igreja Medieval que já contava com as universidades. Alguns deles são:
As principais características da filosofia cristã (que serão explicadas mais abaixo) são:
A filosofia cristã trouxe várias novidades nunca vistas em outras religiões. As principais doutrinas cristãs foram explicadas pela filosofia cristã, especialmente os autores da Patrística e da Escolástica. As doutrinas são:
O cristianismo possui uma ligação substancial com a filosofia grega: o logos. Um dos principais livros da religião cristã, o evangelho do apóstolo São João, foi escrito em grego e começa da seguinte maneira:
"No princípio era o Logos, e o Logos estava junto de Deus e o Logos era Deus. Ele estava no princípio junto de Deus. Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito".
Logos é a palavra original usada pelo apóstolo amado de Jesus, São João. Muitas traduções da Bíblia em português utilizam a palavra “verbo” no lugar de logos, pois a palavra grega invoca sentido, articulação, fala, e a palavra portuguesa: lógica. O logos indica razão.
O grego era a língua internacional da época devido ao domínio de Alexandre, o Grande, em uma região que ia do atual Afeganistão, passando por boa parte da Europa até a Palestina.
A base da filosofia grega era a busca pelo logos, pelo sentido da vida e do universo.
Para os cristãos, toda a realidade criada por Deus aponta para a verdade. Ao usar a razão e a filosofia para conhecer o bom, o belo e o verdadeiro, é possível perceber a Deus, é possível encontrar um caminho para a felicidade.
Nesse caso, a filosofia ajuda o ser humano e não contraria a prática de fé, a prática religiosa. A filosofia cristã conjuga a fé com a conduta racional e de questionamento da realidade.
O método científico criado por Aristóteles foi ostensivamente utilizado. O modelo aristotélico de pensamento foi resumido pela professora Maria Lúcia Aranha:
“Lógica é a ciência da demonstração; (...) para Lyard é a ‘ciência das regras do pensamento’. Poderíamos ainda acrescentar: (...) é a ciência das leis ideais do pensamento e a arte de aplicá-las corretamente na procura e demonstração da verdade".
As proposições dos filósofos são auferidas pela apreensão do mundo natural por meio dos sentidos, utilizando-se de reflexões condicionadas pela experiência.
A lógica foi utilizada especialmente na filosofia cristã Escolástica, comentada na seção sobre a história da filosofia cristã.
Os principais modelos de pensamento utilizados pelos cristãos são:
Os filósofos cristãos utilizavam a razão natural para comprovar a sua fé contra os pagãos e os hereges. Os argumentos filosóficos buscavam demonstrar que a sua fé era a única que se adequava à realidade, que possuía argumentos racionais-científicos.
Uma importante característica da filosofia cristã é a hierarquia entre teologia e filosofia. Os principais filósofos cristãos afirmavam que a teologia é a maior ciência de todas, sendo a filosofia um de seus instrumentos.
No início da Suma Teológica, Santo Tomás de Aquino, tido por muitos como o principal filósofo e teólogo cristão, diz:
“[Santo Tomás apresentando uma possível opinião pró-filosofia, contra a disciplina da teologia] — Parece desnecessária outra doutrina além das disciplinas filosóficas.
SOLUÇÃO — Para a salvação do homem, é necessária uma doutrina conforme à revelação divina, além das filosóficas, pesquisadas pela razão humana. Porque, primeiramente, o homem é por Deus ordenado a um fim que lhe excede a compreensão racional, segundo a Escritura (Is 64, 4): ‘O olho não viu, exceto tu, ó Deus, o que tens preparado para os que te esperam’.
Ora, o fim deve ser previamente conhecido pelos homens, que para ele têm de ordenar as intenções e atos. De sorte que, para a salvação do homem, foi preciso, por divina revelação, tornarem-se-lhe conhecidas certas verdades superiores à razão.
Mas também naquilo que de Deus pode ser investigado pela razão humana, foi necessário ser o homem instruído pela revelação divina. Porque a verdade sobre Deus descoberta pela razão, chegaria aos homens por meio de poucos, depois de longo tempo e de mistura com muitos erros; do conhecer essa verdade depende toda a salvação humana, que em Deus consiste.
Logo, para que mais conveniente e segura adviesse aos homens a salvação, cumpria fossem, por divina revelação, ensinados nas coisas divinas. Donde foi necessária uma doutrina sagrada revelada, além das filosóficas, racionalmente adquiridas”.
A filosofia cristã também possui diferentes meios de chegar à fé. O ponto central que os filósofos cristãos buscam encontrar é o seguinte:
O meio de explicar esse ponto de forma filosófica não é totalmente harmônico entre os fiéis filósofos. Os filósofos cristãos dividiram-se em 3 grupos no que diz respeito à hierarquia entre fé e razão:
O primeiro grupo afirmava que os mistérios, milagres, profecias, atos da providência são muito reais e muito transcendentes para serem compreendidos. Segundo esse grupo, os acontecimentos da fé devem ser seguidos e não podem ser explicados.
Seus escritos tentam demonstrar que a razão não consegue compreender a fé, dirigindo a vida através da crença que utiliza a razão, mas como serva da fé. Por isso “creio porque é absurdo”.
Entre os principais autores cristãos dessa linha encontram-se: Tertuliano, os modernos Pascal e Kierkegaard, e também o Beato Duns Scotus pode se encaixar nessa categoria. Estes filósofos também são conhecidos como fideístas — alguns radicais, outros moderados.
Na Igreja Católica, o fideísmo radical é proibido aos seus fiéis. O Papa Pio IX, no século XIX, condenou a tese fideísta durante o Concílio Vaticano I.
O segundo grupo acredita na união entre fé e razão. Para eles, cada ponto da fé pode ser abarcado pela razão humana, não de forma integral, mas ao menos na essência. Esse grupo ainda defende a superioridade da fé sobre a razão, afirmando que primeiro é necessário crer, para depois compreender racionalmente.
Por isso “creio para compreender”. O principal expoente desse grupo é Santo Agostinho.
O terceiro grupo defende a necessidade de compreender os principais pontos da fé de forma racional para depois crer. Os filósofos cristãos dessa linha possuem a tendência de primeiro tratar de questões que concernem à razão natural para fundamentar a teologia.
Assim como no primeiro grupo, existem os radicais e os moderados. O principal expoente é Santo Tomás de Aquino. Já uma abordagem radical, que inicia a modernidade e o rompimento com a tradição, é encontrada em René Descartes.
Compreender a história da filosofia cristã auxilia na compreensão das doutrinas filosóficas.
A filosofia cristã começou de fato no período da Patrística. Contudo, pode dizer-se que existiu uma espécie de "protofilosofia" cristã.
Logo no início da Igreja, os primeiros cristãos já buscavam alicerçar sua fé em aspectos da razão natural. O principal exemplo é São Paulo, romano perseguidor de cristãos que se tornou Bispo da Igreja. Paulo teve uma formação clássica e erudita, citando obras filosóficas em suas Epístolas.
Em sua Epístola aos Romanos, ele usou argumentos muito semelhantes aos de Santo Tomás de Aquino. No capítulo 1, versículo 19 lemos:
"Desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, o seu sempiterno poder e divindade, se tornam visíveis à inteligência, por suas obras; de modo que não se podem escusar [de não conhecer o Deus Verdadeiro]".
No livro do Ato dos Apóstolos, São Paulo debate a verdadeira religião com filósofos epicuristas e estóicos, na cidade de Atenas.
São Pedro instiga os fiéis a estudarem, para conseguirem explicar a fé. São João Evangelista chama Jesus de logos, como já explicado.
Mas é a partir dos discípulos dos Apóstolos que surge a filosofia cristã de forma estrita.
A Patrística foi um movimento filosófico desenvolvido a partir do século II d.C. até aproximadamente o século V d.C., início da Idade Média. Os primeiros cristãos eruditos, especialmente os bispos, desenvolveram pensamentos filosóficos demonstrando a verdade da fé cristã, especialmente contra os ataques externos (pagãos) e internos (hereges).
A filosofia da Patrística seguiu uma linha predominantemente platônica, embora também existam escritos relacionados ao pensamento aristotélico. O principal expoente da Patrística é Santo Agostinho.
O pensamento de Aristóteles só se torna predominante entre os cristãos após a consolidação da filosofia escolástica.
Escolástica significa “pertencente à escola", "instruído", "sábio". Foi a corrente filosófica predominante da Idade Média. A Escolástica fundou o principal método ocidental de pensamento e de aprendizagem.
A filosofia escolástica surgiu nas escolas monásticas cristãs. Os escritos desses autores buscavam conciliar a fé cristã com um sistema de pensamento racional elaborado de forma precisa, lógica e conceitual.
A principal influência foi Aristóteles, cujos escritos e modo de escrever se disseminaram graças ao trabalho filosófico de Santo Tomás de Aquino, tido como o principal filósofo cristão. A principal obra desse movimento é a Suma Teológica.
O argumento dos filósofos cristãos sobre a necessidade de religião é resumido pelo antropólogo Mircea Eliade.
Em seu livro O Sagrado e o Profano, Eliade diz:
“O homem que optou por uma vida profana não consegue abolir completamente o comportamento religioso.
Na experiência do espaço profano ainda intervém valores que, de algum modo, lembram a vida com orientação religiosa. Existem, por exemplo, locais privilegiados, qualitativamente diferente dos outros: a paisagem natal ou os sítios dos primeiros amores, ou certos lugares na primeira cidade estrangeira visitada na juventude.
Todos esses locais guardam, mesmo para o homem mais francamente não-religioso, uma qualidade excepcional, ‘única’: são os ‘lugares sagrados' do seu universo privado, como se neles um ser não-religioso tivesse tido a revelação de uma outra realidade, diferente daquela de que participa em sua existência cotidiana”.
Ao falar sobre a tendência natural dos homens para a religião, os filósofos cristãos chegam no seu argumento máximo:
Esse é o conceito que estabelece o que é uma filosofia cristã e o que não é. Os estudos dos pagãos que tratavam apenas sobre questões humanas e naturais, não religiosas, foram aproveitados.
Um dos principais estudos utilizados foi a filosofia de Platão e Aristóteles. Santo Agostinho preferia Platão, enquanto Santo Tomás de Aquino era um devoto intelectual de Aristóteles.
Uma das principais contribuições do uso da filosofia pagã na filosofia cristã são as 5 vias da razão que provam a existência de Deus. Elas foram elaboradas por Santo Tomás de Aquino com base na metafísica de Aristóteles.
A filosofia cristã foi importante para lidar com aqueles que se diziam cristãos, mas negavam a divindade de Cristo, levando os filósofos cristãos a desenvolverem argumentos filosóficos a partir da base grega.
Filósofos cristãos modernos fizeram uma condensação dos argumentos racionais que demonstram a divindade de Cristo e a veracidade da religião cristã.
C. S. Lewis foi um filósofo cristão do século XX. No início da sua vida adulta, Lewis era ateu convicto. Estudando e lecionando na Universidade de Oxford, Lewis conheceu J. R. R. Tolkien, autor d’O Senhor dos Anéis, que o ajudou a se converter ao cristianismo.
Após sua conversão, Lewis tornou-se um apologeta cristão. Escreveu várias obras para explicar o cristianismo de forma mais profunda, tendo disseminado o Trilema para comprovar a divindade de Cristo.
Em seu livro Cristianismo Puro e Simples, de 1942, Lewis diz o seguinte:
“Estou tentando impedir que alguém repita a rematada tolice dita por muitos a respeito Cristo: ‘Estou disposto a aceitar Jesus como um grande mestre da moral, mas não aceito a sua afirmação de ser Deus’.
Essa é a única coisa que não devemos dizer. Um homem que fosse somente um homem e dissesse as coisas que Jesus disse não seria um grande mestre da moral. Seria um lunático – no mesmo grau de alguém que pretendesse ser um ovo cozido — ou então o diabo em pessoa.
Faça a sua escolha. Ou esse homem era, e é, o Filho de Deus, ou não passa de um louco ou coisa pior. Você pode querer calá-lo por ser um louco, pode cuspir nele e matá-lo como a um demônio; ou pode prosternar-se a seus pés e chamá-lo de Senhor e Deus.
Mas que ninguém venha, com paternal condescendência, dizer que ele não passava de um grande mestre humano. Ele não nos deixou essa opção, e não quis deixá-la. […] Agora, parece-me óbvio que Ele não era nem um lunático nem um demônio, consequentemente, por mais estranho, assustador e inacreditável que possa parecer, tenho que aceitar a ideia de que Ele era e é Deus”.
O trilema vem de um outro pregador cristão, o escocês, “Rabbi” John Duncan (1796-1870). a partir da obra Colloquia Peripatetica. Após Duncan, Watchman Nee, em 1936, desenvolveu o argumento, tendo escrito o seguinte em seu livro Normal Christian Faith:
“Primeiro, se ele alega ser Deus e de fato não é, ele deve ser louco ou lunático.
Segundo, se ele não é Deus e nem um lunático, deve ser um mentiroso, enganando os outros com sua mentira.
E terceiro, se ele não é nenhum desses três, ele deve ser Deus.
Você só pode escolher uma dessas três possibilidades.
Se você não acredita que ele seja Deus, você deve considerá-lo louco.
Se você não consegue vê-lo como nenhum desses dois, você tem de vê-lo como um mentiroso.
Não há necessidade de provarmos se Jesus é Deus ou não. Tudo que temos de fazer é descobrir se Ele é um lunático ou um mentiroso. Se Ele não for nem um nem outro, ele deve ser o Filho de Deus”.
William Lane Craig, apologeta cristão moderno, diz que o trilema seria inválido se Jesus não tivesse realmente existido, ou se a história narrada pela tradição apostólica contida na Bíblia fosse uma fábula.
Padre Paulo Ricardo apresenta em seu site provas históricas da existência real de Jesus. No artigo sobre a existência histórica de Jesus, ele apresenta o historiador Lawrence Mykytiuk.
O estudioso publicou um artigo no qual sintetiza as informações sobre a vida de Jesus contidas nas principais fontes pagãs e judaicas.
Alguns dos principais livros que tratam sobre os problemas principais para a filosofia cristã, e sobre quem é Deus na cosmovisão dos cristãos, são:
Segundo Platão, filosofia e educação são a mesma coisa. Não a educação moderna, que fornece um diploma para que o aluno consiga um trabalho, mas a educação que guia o homem até a descoberta do seu eu, até a descoberta do sentido da vida.
A educação pode ser definida como o processo do desenvolvimento do homem rumo à sua realização plena. Santo Irineu de Lyon definia o homem como um ser perfectível, ou seja, sempre apto a receber algo que o aperfeiçoe.
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