Conheça a história das escolas de samba do Rio de Janeiro e suas ligações com organizações criminosas

A origem das escolas de samba

No início do século XX, o samba estava em ascensão no Brasil, ganhando cada vez mais espaço entre a sociedade. 

Paralelamente, o Carnaval começava a se popularizar e chamar a atenção do público. A junção do samba e carnaval fez com que associações populares fossem criadas para viver essa experiência.

Um dos principais momentos históricos responsáveis por essa mudança foi a abolição da escravatura, em 1888, já que os povos negros e mestiços foram responsáveis por grande parte do desenvolvimento dessa cultura.  

Na obra Carnaval - Seis Milênios de História, de Hiram Araújo, Ricardo Albin, pesquisador e crítico musical, destaca a contribuição dos negros no carnaval:

“A contribuição negra e mestiça, especialmente a partir da Abolição da Escravatura, seria decisiva para o carnaval carioca com os ranchos, os cordões e os blocos que, afinal, dariam às ruas tanto a solidez das multidões quanto a sedução sem paralelos do ritmo e da dança gingada”. 

Já em sua obra Escolas de Samba, Ricardo Albin destaca as camadas da sociedade inicialmente atraídas pelas escolas de samba e também pelo carnaval carioca: 

“Popular desde suas origens no começo da década de trinta, ela se poria de pé com integrantes das camadas mais baixas da estrutura social carioca. 

Era aquela gente mulata ou negra, sem profissão definida, que veio para o Rio como veteranos livres da Guerra do Paraguai ou aqueles que chegavam à Capital Federal vindos do êxodo das fazendas de café, quando a Princesa Isabel aboliu a escravidão em 1888”. 

A primeira escola de samba

A primeira escola de samba brasileira foi a Deixa Falar, fundada em 12 de agosto de 1928, no centro do Rio de Janeiro. 

Seus fundadores foram Ismael Silva, Alcebíades Barcelos, Nilton Bastos, Edgar Marcelino dos Passos, Osvaldo Vasques e Sílvio Fernandes.

Logo em seguida à fundação da Deixa Falar, novas escolas surgiram impulsionadas pela criação da primeira agremiação. 

Com isso, as escolas que dariam origem à Portela e Mangueira foram criadas e, em 1929, aconteceu o concurso de samba entre a Deixa Falar, o Conjunto Carnavalesco Osvaldo Cruz (futura Portela) e o Bloco Carnavalesco Estação Primeira (Mangueira). 

Esse evento foi o precursor do desfile das escolas de samba, que seria criado três anos depois oficialmente. 

Desfile das escolas de samba

A criação oficial do desfile das escolas de samba aconteceu em 1932, idealizado pelo sambista e primeiro presidente da Mangueira, Saturnino Gonçalves. 

O jornalista e dono do jornal esportivo Mundo Esportivo, Mário Filho, implementou a ideia que há algum tempo vinha sendo incentivada por sambistas.

Dezenove grupos participaram do primeiro desfile das escolas de samba, com a Mangueira sagrando-se a primeira campeã. 

Em 1935, os desfiles das escolas de samba foram oficializados e o poder público começou a investir na realização do evento. 

A Globo cria a liga das 12 escolas de samba

Em 1983, o desfile anual ganhou um novo local para ser realizado. O então governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, pediu a construção do primeiro sambódromo do país, localizado na avenida Marquês de Sapucaí. 

No ano seguinte, o canal de televisão Manchete conquistou o contrato e decidiu transmitir o carnaval sozinha, sem compartilhar imagens com a Globo. A Manchete venceu uma disputa judicial e conquistou os direitos de transmissão do desfile. 

Com isso, a Rede Globo organizou uma reunião com os presidentes das principais escolas de samba para reverter a situação. Boni, o homem forte da emissora, reuniu-se pessoalmente com Castor de Andrade, Anísio Abraão, Capitão Guimarães e Luizinho Drummond. 

Desse encontro, foi criado um documento assinado pelas 12 principais escolas de samba e uma ameaça direta ao governo do Estado: 

“Ou a Globo volta a transmitir os desfiles ou vamos desfilar em Niterói”, afirmou Castor de Andrade, então presidente da Mocidade Independente de Padre Miguel, mostra o programa Face Oculta da Brasil Paralelo. 

A Rede Globo permanece até hoje como a emissora oficial do desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro. A TV Manchete enfrentou dificuldades financeiras e fechou as portas em 1999. 

Assassinatos, subornos e explosões - a relação das escolas de samba com bicheiros e organizações criminosas

A relação das escolas de samba com os bicheiros do Rio de Janeiro começa quando a Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa) é criada, em 1984. 

Até hoje, é responsabilidade da Liesa vender ingressos para o desfile, captar patrocínios e vender os direitos de uso de imagem. 

O primeiro presidente da Liesa foi Castor Gonçalves de Andrade e Silva, também conhecido como Doutor Castor. Ele foi um dos maiores bicheiros da história do Brasil. 

Por usar os recursos levantados com o jogo do bicho para benfeitorias sociais, Doutor Castor era bem visto pela população, apesar de todos os crimes, como assassinatos e subornos. 

Em sua folha de pagamento estavam policiais, juízes, servidores públicos e até políticos. Foi um bicheiro que colecionou crimes, mas, mesmo assim, atraía a simpatia do público. 

Para Oswaldo Penaforte, em seu livro Jogo do Bicho, a relação das camadas mais populares com o jogo do bicho pode explicar a forma como os bicheiros eram vistos: 

“O jogo do bicho, desde seus primórdios, popularizou-se junto às camadas mais pobres da população, já que o apostador joga quanto quiser, ou melhor, quanto puder e, mesmo que se ganhe pouco por se ter, também, pastado pouco, permanece o sabor insubstituível demanda, o prazer de jogar contra a Banca, o sonho de vencer o Banqueiro”. 

Ainda de acordo com Penaforte, outro fator que deu popularidade ao jogo do bicho foi o pagamento correto das premiações: 

“A fama de absoluta idoneidade por parte dos Banqueiros que, apoiados num único e simples princípio, vale o escrito, nunca se recusaram a pagar um prêmio, idoneidade esta garantida por um fortíssimo espírito corporativista encarregado de garantir, a qualquer custo, o cumprimento do compromisso de qualquer Banqueiro”.

A sucessão de Castor de Andrade

Em 1993, a juíza Denise Frossard condenou o Doutor Castor pelo seu envolvimento com o jogo do bicho e por pelo menos 53 assassinatos.

Além de Castor, outros 13 bicheiros também foram condenados. Quatro anos depois, em 1997, quando Castor estava com 71 anos, faleceu vítima de um infarto. 

A disputa que se seguiu pelo controle de seus negócios transformou a cidade do Rio de Janeiro em um palco de guerra, com assassinatos ocorrendo em locais movimentados e ao longo do dia. 

Rogério Andrade, sobrinho de Castor, assumiu o comando dos negócios. O filho do bicheiro morto, Paulinho de Andrade, aceitou essa configuração inicialmente. 

Porém, não muito tempo depois Paulinho decidiu disputar o controle dos negócios da família.

Essa disputa não durou muito tempo. Em 1988, na zona oeste do Rio, Paulinho foi assassinado junto com o motorista que o acompanhava. Um homem disparou 13 tiros de uma pistola 9mm enquanto estavam parados no sinal aguardando para acessar a Avenida das Américas. 

Além desse episódio, anos depois, Rogério Andrade sofreu um atentado a bomba enquanto voltava da academia com o seu filho de 17 anos. 

Uma bomba foi colocada sob o banco do motorista e explodiu, matando o filho de Rogério, que dirigia o veículo. O bicheiro sobreviveu. 

Uma década depois, foi a vez de Fernando Iggnácio ser assassinado. O antigo aliado de Paulinho desembarcava de um helicóptero no Recreio dos Bandeirantes quando foi morto com tiros de fuzil na cabeça.

Rogério de Andrade foi denunciado pelo Ministério Público, mas inocentado pelo Supremo Tribunal Federal por não encontrar ligações claras do bicheiro com o crime. 

O novo presidente da Liesa

Quando Castor de Andrade deixou a presidência da Liesa, em 1985, entrou no seu lugar o também bicheiro Anísio Abraão Davi. Ele era conhecido por sua influência na cidade de Nilópolis, casa da escola de samba Beija-Flor. 

Anísio da Beija-Flor foi presidente de honra da escola, cargo que também foi ocupado por diversos membros de sua família. 

Ele foi preso ao menos 6 vezes, sendo que na última condenação, em 2011, foi condenado a dois meses de prisão em regime domiciliar. 

Mesmo com a ficha criminal extensa, Anísio da Beija-Flor seguiu participando da alta sociedade carioca. Além de presidente da Liesa entre 1985 e 1987, foi membro do conselho da entidade entre 2001 e 2015.

Em sua festa de 80 anos, celebrada em 2017, ele fez uma festa para 400 convidados no Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro. Entre os convidados, estavam a cantora Alcione e os atores Cláudia Raia e Edson Celulari. 

A chegada do Capitão Guimarães

Quando Anísio da Beija-Flor deixou a presidência da Liesa, quem assumiu seu posto foi Ailton Guimarães Jorge, mais conhecido como Capitão Guimarães, bicheiro e ex-militar. 

Ao deixar o exército, Capitão Guimarães se aproximou dos bicheiros Castor de Andrade e Anísio da Beija-Flor, entre outros. 

O Capitão Guimarães foi preso em 1993, em 2007 e 2012. Em todas elas, as acusações eram semelhantes: formação de quadrilha, corrupção e contrabando. 

Em 2012, foi preso novamente. Dessa vez, acusado de um homicídio realizado em 2020. Sua pena foi convertida para prisão domiciliar. 

Um ano depois, foi preso na operação Mahyah, que tinha o objetivo de desarticular uma organização criminosa voltada para a prática de homicídios, corrupção e porte ilegal de armas de fogo. 

Ele foi apontado como chefe do grupo. Em sua casa, foram encontradas diversas armas de fogo, incluindo um fuzil e cerca de 1 milhão de reais em dinheiro. 

Quem foi Luizinho Drummond

Em 1998, Luiz Pacheco Drummond, mais conhecido como Luizinho Drummond, assumiu a presidência da Liesa. Bicheiro e sambista carioca, era presidente de honra da escola Imperatriz Leopoldinense. 

Foi acusado e preso pelo menos 4 vezes em crimes diversos, incluindo formação de quadrilha e corrupção ativa. Também foi considerado um possível mandante de assassinatos. 

Drummond faleceu em 2020, vítima de um AVC. A escola União da Ilha do Governador emitiu uma nota após a sua morte. 

“A diretoria da União da Ilha do Governador, e toda a sua comunidade lamentam profundamente o falecimento nesta quarta-feira do senhor Luiz Pacheco Drummond, presidente e patrono da Imperatriz Leopoldinense. O seu legado e seu amor ao Carnaval carioca serão lembrados eternamente”. 

Rodrigo Pimentel, ex-militar, comentou sobre o papel da Liesa em entrevista ao podcast Fala Tropa:

“A Liesa é o jogo do bicho com CNPJ. E a Rede Globo contrata o direito de transmissão todos os anos com a Liesa. Então a mesma Rede Globo que acusa um policial, [dizendo]: ‘você sentou com um bicheiro, pega dinheiro do bicho’, essa mesma Rede Globo uma vez por ano, senta com a Liesa, os mesmos bicheiros, e realiza um contrato”.

Os números da Liesa e a face oculta das escolas de samba

Em 2024, a liga recebeu do governo do Estado do Rio de Janeiro R$ 10 milhões. E cada escola recebeu cerca de R$ 2 milhões da prefeitura.

O desfile do Carnaval carioca pode movimentar cifras maiores que essa anualmente, incluindo patrocínios que podem ultrapassar os R$ 100 milhões.

Atualmente, a Liesa é presidida por Gabriel Davi, filho do bicheiro Anísio da Beija-Flor. 

Para acompanhar mais detalhes da face oculta das escolas de samba e entender a ligação do carnaval carioca com os bicheiros, assista esse original da Brasil Paralelo:

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Os comentários foram retirados do primeiro episódio do Épico História do Comunismo. 

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